O Juizado Especial Cível da Comarca de Manaus condenou a Calcard Administradora de Cartões Ltda. ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais, à restituição em dobro dos valores descontados e à abstenção de novas cobranças relativas a serviço não contratado. A decisão foi proferida pelo juiz Celso Antunes da Silveira Filho, do TJAM, julgado em 17 de novembro de 2025.
A controvérsia teve origem em uma compra rotineira: o consumidor compareceu à loja apenas para adquirir um par de tênis, mas, mediante promessa de 10% de desconto, foi induzido a realizar um cadastro que, segundo a funcionária da loja, consistiria apenas em um procedimento simples, rápido e sem qualquer contratação adicional. Dias depois, ao acessar a plataforma digital, constatou que estava sendo cobrada mensalmente a tarifa denominada “Anuidade Diferenciada”, jamais informada e jamais aceita.
Sem contrato, sem gravação, sem autorização: telas unilaterais não comprovaram contratação
Na sentença, o magistrado foi categórico ao afirmar que a ré não apresentou qualquer documento que comprovasse a contratação formal do serviço: nenhum contrato, nenhuma gravação, nenhum aceite eletrônico, nenhuma solicitação do consumidor.
As telas digitais apresentadas pela empresa — quando juntadas em casos análogos — foram consideradas unilaterais, incapazes de provar a manifestação de vontade do consumidor ou a perfeição contratual. Para o juiz, a ré tratou o consumidor “como objeto de direito, não como sujeito de direitos”, ao simplesmente promover cobranças automáticas sem demonstrar prévia concordância.
Responsabilidade objetiva e fortuito interno: ônus probatório era da Calcard
Com a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, competia à fornecedora demonstrar que o serviço havia sido contratado. A empresa, contudo, limitou-se a alegações genéricas.
A sentença aplicou a responsabilidade objetiva do art. 14 do CDC, destacando: inexistência de causas excludentes do §3º; impossibilidade de impor ao consumidor a prova negativa de “não contratação”; entendimento consolidado na Súmula 479 do STJ, segundo a qual instituições financeiras respondem por fortuito interno — conceito que abrange falhas operacionais, cadastros indevidos e cobranças automáticas não autorizadas.
Cobrança indevida enseja dano moral e repetição em dobro
O juiz reconheceu que o dano moral é in re ipsa, decorrente da própria cobrança indevida, agravada por sua repetição e pela necessidade de o consumidor acionar o Judiciário para cessar prática abusiva.
A decisão cita precedentes que acolhem a teoria do desvio produtivo do consumidor, ressaltando o tempo e a energia dispensados pelo autor para resolver administrativamente problema criado pela ré. Além dos danos morais, o magistrado determinou: restituição em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC; devolução dobrada também de valores posteriores comprovados, com base nos arts. 323 e 493 do CPC.
Atualização monetária conforme Lei 14.905/2024. A condenação seguirá o novo regime de atualização monetária previsto na Lei 14.905/2024. A Calcard deverá ainda cessar imediatamente a cobrança do serviço não contratado, sob pena de multa de R$ 5 mil.
Processo n. : 0231158-40.2025.8.04.1000
