A responsabilidade da banca examinadora em etapas delegadas de concurso público é matéria cujo exame se encontra rotineiramente em ações judiciais de candidatos que se voltam contra eliminações. Em decisão proferida pelo Juiz Paulo Fernando de Brito Feitosa, da Vara da Fazenda Pública, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), pediu sua exclusão do processo, alegando ausência de responsabilidade por suposto erro de avaliação sobre laudo médico. O pedido foi recusado.
O autor da ação relata que foi eliminado da 3ª etapa do concurso para Soldado Bombeiro Militar do CBMAM após ser considerado “inapto” por diagnóstico equivocado de sua coluna vertebral. Exames posteriores emitidos por três especialistas demonstraram que a condição estaria dentro dos padrões de normalidade. O candidato apresentou contraprova, mas teve seu recurso indeferido com fundamentação genérica pela Administração do Concurso.
A FGV, por sua vez, sustentou que apenas organizou o certame e que a responsabilidade pela análise médica caberia exclusivamente ao Corpo de Bombeiros do Amazonas, conforme previsto no edital. Requereu, inclusive, a exclusão do processo e o não pagamento dos honorários periciais fixados pelo juízo.
Contudo, o magistrado entendeu que a banca organizadora atuou na convocação dos candidatos, agendamento da entrega de exames, análise de recursos e contratação da equipe médica, configurando vínculo de atuação funcional e responsabilidade indireta. Assim, reconheceu a legitimidade da FGV para responder à demanda.
Ato administrativo, controle judicial e repercussão jurídica
A decisão repercute diretamente sobre dois núcleos centrais de debate jurídico: A responsabilização subsidiária das bancas organizadoras por atos de etapas não diretamente executadas, mas operacionalizadas sob sua logística ou cogestão com a Administração Pública; a possibilidade de revisão judicial das etapas eliminatórias, como os exames médicos, quando houver indícios de erro técnico ou violação ao contraditório e à ampla defesa.
O caso, se consolidado, poderá gerar repercussão para outros candidatos interessados, especialmente no que se refere aos limites da atuação das bancas organizadoras e à responsabilidade objetiva da Administração e seus contratados.
A jurisprudência do STJ já reconheceu que é possível o controle judicial sobre critérios técnicos em concursos, sobretudo quando comprovado erro ou arbitrariedade (REsp 1.105.442/DF e AgInt no RMS 52.514/GO).
Continuidade processual
Diante da controvérsia sobre o diagnóstico médico, o juiz determinou a realização de perícia judicial, com honorários fixados e a serem adiantados pelas rés — o Estado do Amazonas e a FGV. Esta última protestou contra o pagamento, reiterando que a perícia não tem por objeto conduta sua. Ainda assim, a exigência foi mantida.
A depender do resultado da perícia e da decisão final do processo, o caso poderá consolidar um novo entendimento jurisprudencial sobre os deveres das bancas examinadoras e a proteção ao direito do candidato frente a erros materiais no curso do certame.
A liminar e a proteção do direito do autor pelo Poder Judiciário
Até então, o autor está amparado por decisão liminar. O candidato alegou que foi considerado inapto na etapa médica do concurso por conta de um laudo radiológico equivocado, que indicou ângulo de 50º na lordose lombossacra, quando o edital previa limite máximo de 45º.
No entanto, exames posteriores realizados com outros especialistas atestaram que o ângulo correto era de 32º (método de Ferguson), dentro dos parâmetros exigidos para o cargo.
O juiz, ao analisar o pedido liminar, concedeu a tutela antecipada ao reconhecer indícios de que a eliminação teria decorrido de erro de terceiro, e não de condição física efetivamente incapacitante, o que justificaria a suspensão dos efeitos da inaptidão até o julgamento definitivo da ação.
Para a Justiça do Amazonas não se cuidou de atuação indevida sobre a Administração do Concurso, mas de correção de injustiça decorrente de errônea avaliação médica da Banca Examinadora.
Processo n. 0779383-29.2022.8.04.0001