Justiça obriga montadora e concessionária a entregar carro PCD nas condições ofertadas e indenizar

Justiça obriga montadora e concessionária a entregar carro PCD nas condições ofertadas e indenizar

A promessa de mobilidade transformou-se em um longo impasse judicial. Portadora de Síndrome do Túnel do Carpo bilateral, a autora buscou no mercado automotivo um veículo adaptado às suas limitações físicas. Munida de laudo médico que recomendava câmbio automático, ingressou em processo de compra de um veículo com isenções tributárias previstas em lei para PCD e preço final ofertado dentro dos seus padrões. 

O desfecho, no entanto, foi a emissão de nota fiscal em valor superior, a recusa de entrega e meses de frustração, que acabaram reconhecidos pela Justiça do Amazonas como violação ao direito do consumidor.

O caso em exame

Segundo a inicial, a consumidora apresentou toda a documentação necessária para aquisição com isenção de impostos (IPI, ICMS e IOF), conforme assegurado às pessoas com deficiência. O veículo deveria ser entregue na data combinada. A concessionária Murano Veículos, intermediária da venda, entretanto, não encaminhou à montadora a autorização referente ao ICMS. O erro teria ocorrido durante as férias de um funcionário responsável pelo trâmite, o que levou ao faturamento do automóvel por valor superior, sem as isenções integrais.

O resultado foi a frustração do contrato e a dependência forçada, pela consumidora, de serviços de transporte por aplicativo, utilizados como alternativa para sua locomoção cotidiana e tratamentos médicos, enquanto buscava, sem sucesso, solução administrativa junto à concessionária e ao Procon. 

A concessionária Murano Veículos alegou que a nota fiscal foi emitida de acordo com a documentação apresentada — que não incluiria pedido válido de isenção de ICMS — e sustentou que o preço do automóvel (R$ 92.990,00) ultrapassava o limite legal de isenção integral previsto no Convênio ICMS 38/2012. Afirmou que não poderia ser responsabilizada por bônus comerciais extintos pelo Banco Itaú nem por condições de faturamento fixadas pela montadora.

Já a FCA Chrysler Automóveis (Fiat) sustentou que a autora firmou apenas um termo de intenção de compra, sem pagamento efetivo, e não apresentou documentação para a isenção estadual. Defendeu não ter vínculo com o benefício de “carta bônus” e pediu a improcedência total da ação.

A análise do juízo

O juiz Manuel Amaro de Lima, da 1ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho de Manaus, reconheceu que se trata de relação de consumo e aplicou as regras do Código de Defesa do Consumidor, inclusive a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC).

Com base nos documentos, constatou que houve oferta formalizada no valor de R$ 76.911,00, com indicação expressa de isenções tributárias. Nos termos dos arts. 30 e 35 do CDC, a oferta vincula o fornecedor, e o descumprimento legitima o consumidor a exigir o cumprimento forçado da obrigação.

O magistrado destacou que, embora não caiba ao Judiciário criar isenção fiscal além dos limites legais, é possível compelir o fornecedor a honrar a oferta realizada, absorvendo os custos da diferença tributária eventualmente não reconhecida pela Fazenda estadual.

Assim, tanto a montadora quanto a concessionária foram consideradas solidariamente responsáveis, nos termos dos arts. 7º e 25, § 1º, do CDC, uma vez que integraram a cadeia de fornecimento.

Danos materiais e morais

Quanto aos danos materiais (reembolso de gastos com aplicativos de transporte), o juiz negou o pedido por ausência de prova do nexo causal direto. Destacou que não ficou demonstrado que as despesas superaram aquelas que a autora teria com combustível, manutenção ou seguro do próprio veículo.

Em relação ao dano moral, o magistrado entendeu configurado o abalo. Considerou que a autora, pessoa com deficiência, foi exposta a frustração que supera os meros aborrecimentos do cotidiano, pois a não entrega do carro adaptado comprometeu sua autonomia, mobilidade e dignidade. O juiz lembrou o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que assegura inclusão e igualdade de oportunidades, reforçando a proteção da consumidora.

Com base nesses fundamentos, fixou indenização de R$ 8.000,00, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, com caráter compensatório e pedagógico. A sentença julgou a ação parcialmente procedente para obrigar as rés, solidariamente, a faturar e entregar o veículo Argo PCD pelo valor de R$ 76.911,00, no prazo de 15 dias, sob pena de multa; garantir que, caso a isenção de ICMS não seja reconhecida pela Administração Tributária, a diferença seja absorvida pelas empresas, preservando o preço ofertado.

Autos nº: 0668592-56.2023.8.04.0001

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