A simples existência de um vínculo afetivo entre as partes não converte automaticamente a demanda em questão de Direito de Família, especialmente quando ausente reconhecimento legal de união estável ou casamento. Relações extraconjugais, ainda que duradouras, não configuram entidade familiar protegida constitucionalmente, o que afasta a incidência das normas próprias do Direito de Família e atrai a competência residual da Justiça Cível.
Com esse fundamento, as Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) decidiram que pedidos de indenização por serviços domésticos vinculados a relações amorosas não formalizadas juridicamente devem ser julgados pela Vara Cível, afastando a competência da Vara de Família. A decisão foi proferida por Conflito de Competência Cível de relatoria da Desembargadora Luiza Cristina Nascimento da Costa Marques.
No caso concreto, a autora ajuizou ação de dissolução de sociedade de fato cumulada com indenização por serviços domésticos, alegando ter convivido por 14 anos com o réu, com quem teria mantido uma relação amorosa. Ocorre que o réu era casado, o que, segundo a jurisprudência consolidada, impede o reconhecimento de união estável e descaracteriza o vínculo como entidade familiar nos moldes do artigo 226 da Constituição Federal.
A controvérsia surgiu após uma das Varas Cíveis de Manaus declinar da competência, entendendo que o caso estaria abrangido pelo inciso I, alínea “e”, do artigo 154 da antiga Lei Complementar nº 17/1997, que previa a competência da Vara de Família para ações decorrentes do artigo 226 da Constituição. O feito foi redistribuído à 1ª Vara de Família, que suscitou o conflito por entender que a demanda não se enquadrava entre as hipóteses do Direito de Família.
Ao analisar o conflito, a relatora destacou que o pedido não trata de partilha de bens, alimentos, guarda ou regime de bens, mas sim de indenização por danos extrapatrimoniais supostamente decorrentes da relação vivida, o que insere a controvérsia no campo da responsabilidade civil, regida pelo Direito Comum. Citando precedentes das próprias Câmaras Reunidas, a Desembargadora concluiu que “não se trata de demanda voltada à aplicação do Direito de Família propriamente dito, mas sim à apuração de eventual obrigação civil”.
Com base na aplicação do princípio da legalidade e do artigo 14 do Código de Processo Civil — que resguarda a irretroatividade da norma processual —, o colegiado firmou que a competência aplicável ao caso deve observar a legislação vigente à época do ajuizamento da ação, ou seja, a antiga LC nº 17/1997. Nesse contexto, prevaleceu a competência residual da Vara Cível, prevista no artigo 151 da referida norma, bem como no artigo 60 da nova Lei Complementar nº 261/2023.
Ao final, o Tribunal conheceu do conflito e julgou-o procedente, fixando a competência da Vara Cível que, antes, havia declinado da prestação de serviços juridiscionais.
Processo n. 0632052-82.2018.8.04.0001