A norma que institui o Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A do CPP), por possuir natureza híbrida — material e processual —, é dotada de retroatividade benéfica, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal. Nos processos penais ainda em curso em 18/09/2024, deve ser oportunizada ao Ministério Público a avaliação expressa e fundamentada acerca da viabilidade do acordo, sem que disso decorra direito subjetivo do réu à proposta, mas assegurando-lhe o direito à manifestação ministerial e à eventual revisão hierárquica ou controle judicial dos fundamentos da negativa
Com base nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por decisão do Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador convocado do TJRS), deu provimento parcial a recurso especial interposto por dois empresários condenados por crime contra a ordem tributária no Amazonas, determinando a remessa dos autos ao juízo de origem para que o Ministério Público avalie, formalmente, a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal.
A decisão foi proferida no AREsp 2669345/AM, envolvendo fatos ocorridos em 2005, quando os recorrentes foram acusados de omitir receitas da empresa e, assim, suprimir tributos federais, com débito consolidado superior a R$ 4,3 milhões. A condenação em primeiro grau foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que redimensionou a pena para 3 anos e 6 meses de reclusão e 17,5 dias-multa, com reconhecimento da continuidade delitiva e manutenção da causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei 8.137/90.
No recurso ao STJ, a defesa sustentou três principais teses: Nulidade por ausência de intimação pessoal da sentença; Inadequação da aplicação automática da majorante de grave dano à coletividade com base apenas no valor do débito; Aplicação retroativa do ANPP.
O Ministro relator reconheceu a inviabilidade do exame das duas primeiras teses, por ausência de prequestionamento — requisito necessário para o conhecimento do recurso especial —, aplicando a Súmula 211/STJ.
Contudo, quanto à tese relacionada ao ANPP, o relator entendeu que, apesar de o processo ter se iniciado antes da vigência do art. 28-A do CPP (Lei nº 13.964/2019), a norma tem natureza híbrida (material e processual) e, portanto, é retroativa por força do art. 5º, XL, da Constituição Federal. Com base no Tema 1.098 do STJ, firmou-se que deve ser oportunizada a manifestação do Ministério Público nos processos ainda em andamento na data de 18/09/2024, inclusive com possibilidade de reavaliação pelo órgão superior, caso haja recusa.
A decisão ressalta que o reconhecimento da retroatividade não implica direito subjetivo à proposta do ANPP, mas garante ao réu o direito de ter avaliada a viabilidade do acordo pelo Ministério Público, com eventual controle judicial dos fundamentos da negativa.
Dessa forma, o STJ determinou a remessa dos autos ao juízo de origem para que o órgão ministerial se manifeste expressamente sobre o cabimento do acordo, nos termos do art. 28-A, §§ 4º, 5º e 14, do CPP, como condição para manutenção dos efeitos da condenação.
O Tema 1.098/STJ, nominado na decisão, reconhece a possibilidade de aplicação retroativa do ANPP mesmo após o oferecimento da denúncia. A decisão também se refere ao Art. 28-A, §14 do CPP, que permite recurso administrativo contra eventual recusa do acordo.
NÚMERO ÚNICO:0005550-23.2014.4.01.3200