Em decisão unânime, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou que a posse de pequena quantidade de droga, desacompanhada de elementos objetivos que indiquem finalidade de comércio, deve ser enquadrada como uso pessoal e não como tráfico.
O entendimento foi fixado no julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 983.437/AM, envolvendo um caso oriundo do município de Boca do Acre (AM).
O relator, ministro Carlos Cini Marchionatti (desembargador convocado do TJRS), manteve decisão monocrática que havia concedido habeas corpus de ofício para restabelecer sentença de primeiro grau, a qual desclassificara a conduta do acusado para o artigo 28 da Lei de Drogas.
O Ministério Público do Estado do Amazonas sustentava que os depoimentos dos policiais e a apreensão de 14 porções de cocaína seriam suficientes para caracterizar tráfico, de acordo com o artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
Ausência de prova robusta e presunção de inocência
O ministro relator, no entanto, destacou que a quantidade apreendida não é expressiva e que não houve apreensão de balança de precisão, anotações, dinheiro em espécie ou qualquer outro instrumento típico da mercancia. Para o Ministro o conjunto probatório não superou a dúvida razoável sobre a destinação da substância, sendo “incompatível com o juízo condenatório de tráfico”.
“O ônus de comprovar a acusação não se realizou. Diante de provas frágeis e de versões plausíveis apresentadas pelo acusado, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao réu, nos termos do princípio do in dubio pro reo”, afirmou o julgado.
TJAM havia condenado com base apenas na palavra policial
Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Amazonas havia reformado a sentença absolutória e condenado o réu por tráfico, amparando-se nos depoimentos dos agentes responsáveis pela prisão e no fato de o local da abordagem ser conhecido como ponto de venda de entorpecentes.
O STJ, contudo, entendeu que a reputação do local e o testemunho policial, isoladamente, não bastam para presumir a prática de comércio ilícito. “O fato de a apreensão ocorrer em área de tráfico não autoriza, por presunção, a condenação por traficância”, observou o relator.
Uso pessoal e jurisprudência consolidada
A decisão reafirma precedente da própria Quinta Turma (AgRg no HC 1.010.906/RS, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca), no sentido de que a intenção de mercancia deve ser demonstrada por elementos concretos — como volume, forma de acondicionamento e instrumentos de venda —, não sendo suficiente a mera apreensão de pequena porção.
Com a decisão, a Corte manteve a sentença proferida pela Vara Única de Boca do Acre, que reconheceu o uso pessoal e aplicou as medidas educativas previstas no artigo 28 da Lei 11.343/2006.
O julgamento foi unânime, com a participação dos ministros Reynaldo Soares da Fonseca (presidente), Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Messod Azulay Neto, acompanhando integralmente o voto do relator.
HC nº 983.437/AM