No Direito Administrativo, a concessão de reajustes remuneratórios a servidores públicos deve respeitar não apenas os princípios da legalidade e da anualidade, mas também a segurança jurídica e a proteção ao direito adquirido.
Quando uma norma estabelece, de forma expressa, a data de início dos efeitos financeiros de determinado aumento, o marco temporal vincula tanto a Administração quanto o servidor beneficiado, impedindo que leis posteriores modifiquem retroativamente a situação jurídica já consolidada.
Com base nesse entendimento, o Juiz Odílio Pereira Costa Neto, da Comarca de Eirunepé, julgou procedente ação de cobrança ajuizada por um policial militar contra o Estado do Amazonas, condenando-o ao pagamento das diferenças salariais retroativas decorrentes do reajuste de 9,27% previsto na Lei nº 4.618/2018.
A decisão consta no processo nº 0600722-16.2023.8.04.410. O magistrado reconheceu que o reajuste, fixado com efeitos a partir de 1º de abril de 2020, passou a integrar o patrimônio jurídico do servidor naquela data, configurando direito adquirido. A sentença considerou que o direito ao reajuste foi adquirido a partir de 1º de abril de 2020, e não poderia ser modificado por norma posterior.
De acordo com os autos, a Lei nº 4.618/18 fixou reajustes remuneratórios escalonados para os servidores da segurança pública do Estado, dentre eles o percentual de 9,27% com efeitos a partir de abril de 2020, correspondente à data-base de 2016. Contudo, o Poder Executivo apenas implementou o reajuste nos contracheques dos militares em janeiro de 2021, o que motivou o autor a requerer o pagamento das diferenças relativas ao período de abril a dezembro de 2020, no valor de R$ 8.362,45.
Ao analisar o mérito, o magistrado destacou que o direito ao reajuste surgiu automaticamente com o advento da data pré-fixada em lei, tornando-se um direito subjetivo adquirido. Com base no art. 6º, §2º da LINDB, o juiz observou que tal direito incorporou-se ao patrimônio jurídico do servidor, não podendo ser modificado nem mesmo por nova legislação.
Nesse sentido, a decisão afastou expressamente os efeitos da Lei nº 5.772/2022 — que alterou o termo inicial do reajuste para 1º de janeiro de 2021 — ao reconhecer que norma posterior não pode retroagir para suprimir direito já adquirido, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica e ao respeito à coisa julgada administrativa.
“Nem o juiz, por intermédio de decisão judicial, tampouco o Legislativo, por meio de lei nova, pode retirar do cidadão um direito que já foi adquirido e faz parte de seu patrimônio material ou imaterial”, destacou o magistrado.
O Estado do Amazonas foi, assim, condenado ao pagamento das diferenças remuneratórias retroativas, acrescidas de correção monetária pelo IPCA-e desde o vencimento de cada parcela e juros de mora a partir da citação, conforme decidido pelo STF no Tema 810 (RE nº 870.947). A condenação também abrange o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
A decisão é passível de recurso, e a parte autora deverá apresentar planilha atualizada para início da fase de cumprimento de sentença.
Autos nº. 0600722-16.2023.8.04.4100