Ao julgar procedente ação de indenização por danos morais, o juiz Francisco Carlos G. de Queiroz, da Comarca de Tabatinga/AM, condenou a Azul Linhas Aéreas ao pagamento de R$ 4 mil a uma passageira que teve seu voo cancelado, afastando a tese da empresa de que houve necessidade de manutenção emergencial da aeronave sob o manto do caso fortuito ou força maior, a prevalecer sobre o CDC.
A 1ª Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Tabatinga/AM julgou procedente a ação movida por uma passageira contra a Azul Linhas Aéreas em razão do cancelamento de voo. A companhia aérea foi condenada ao pagamento de R$ 4 mil por danos morais, além de juros e correção monetária.
Na contestação, a Azul sustentou que o caso deveria ser analisado sob a ótica do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), por se tratar de transporte aéreo, atividade altamente regulada e com peculiaridades operacionais e técnicas próprias. A tese foi rejeitada.
Segundo os autos, a autora adquiriu passagem para o trecho Tabatinga/Manaus com o objetivo de embarcar, na madrugada seguinte, em voo com destino a São Paulo/SP, onde participaria de evento previamente agendado. Contudo, o voo inicial foi cancelado por “manutenção não programada”, e a companhia só conseguiu remarcá-lo dois dias depois, sem fornecer, nesse intervalo, qualquer assistência material como hospedagem, alimentação ou transporte.
A companhia invocou o artigo 178 da Constituição Federal, que prevê a ordenação legal específica para o transporte aéreo, e argumentou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma norma geral, inapta para regular com precisão as complexidades do setor.
A empresa também alegou que a manutenção emergencial da aeronave configuraria caso fortuito ou força maior, excludente de responsabilidade civil tanto à luz do Código Civil quanto do CBA. Defendeu ainda que, nos termos do artigo 251-A do CBA (incluído pela Lei nº 14.034/2020), o dano extrapatrimonial decorrente de falha contratual só é indenizável mediante prova concreta da ocorrência e da extensão do prejuízo — o que, segundo a defesa, não teria sido demonstrado pela autora.
O juiz, contudo, rejeitou a preliminar de aplicação do CBA, destacando que o conflito entre as normas é apenas aparente. Para o magistrado, a relação entre passageira e companhia aérea configura relação de consumo, atraindo a incidência do CDC, norma especial voltada à proteção do hipossuficiente e com respaldo nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição. Citando precedentes do STJ (REsp 1.281.090/SP), ele ressaltou que, havendo incompatibilidade entre o CDC e o CBA, prevalece a norma consumerista.
Quanto ao mérito, o juiz reconheceu a falha na prestação do serviço, afirmando que o cancelamento do voo e a remarcação com atraso de dois dias violaram as obrigações contratuais assumidas pela empresa. A alegação de manutenção emergencial, segundo ele, configura fortuito interno — risco inerente à atividade empresarial — e não exclui a responsabilidade da companhia.
“A frustração de expectativa, angústia e intranquilidade emocional suportadas pela autora ultrapassam os meros aborrecimentos do cotidiano, configurando abalo moral indenizável”, escreveu o magistrado ao fixar o valor da indenização.
A sentença foi proferida nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, e não houve condenação em custas ou honorários advocatícios, nos termos do artigo 54 da Lei 9.099/1995.