Por decorrer de previsão legal, a concessão de gratificação por titulação constitui ato vinculado e não se submete à discricionariedade administrativa, sendo exigível judicialmente quando negada ou retardada pelo Estado.
A Justiça do Amazonas reconheceu que o atraso no pagamento da gratificação de curso devida a servidora pública estadual viola o princípio da legalidade e gera dano moral indenizável, por se tratar de verba de natureza alimentar e expressamente prevista em lei. A decisão foi proferida pelo juiz Charles José Fernandes da Cruz, da Comarca de Humaitá, que condenou o Estado ao pagamento de R$ 15.164,46 em diferenças salariais e R$ 5 mil a título de compensação moral.
“Dadas as frustrações e dificuldades causadas pela imprevisibilidade do recebimento de verba de caráter alimentar, verifica-se relevante abalo psíquico, que ofende os direitos da personalidade”, registrou o magistrado ao fundamentar a condenação.
A servidora, vinculada à Administração Direta do Estado, comprovou a conclusão dos cursos de mestrado e doutorado, mas não recebeu as parcelas correspondentes à gratificação de curso prevista na legislação estadual como incentivo à qualificação profissional. Segundo o juízo, a omissão do ente público não decorreu de limitação legal ou orçamentária, mas de falha administrativa, o que atrai o dever de indenizar.
Concessão da gratificação é ato vinculado e não depende de conveniência administrativa
A sentença destacou que a concessão da gratificação possui natureza de ato administrativo vinculado, ou seja, o Estado não dispõe de liberdade para decidir sobre sua concessão uma vez preenchidos os requisitos legais. “Não há como se falar em discricionariedade, pois a concessão da gratificação em questão decorre por força de lei, sendo, por isso, ato vinculado”, afirmou o juiz.
A decisão enfatiza que a Administração não pode invocar critérios de conveniência ou oportunidade para postergar o pagamento de vantagens legalmente asseguradas, sob pena de violação à legalidade estrita e ao direito subjetivo do servidor.
“O Estado não apresentou qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora à cobrança dos valores devidos, tão somente requereu a não interferência judicial ante a separação de poderes”, observou o magistrado, ressaltando que o controle judicial de atos administrativos se limita à análise da legalidade e da moralidade, sem adentrar o mérito da gestão.
Responsabilidade civil e reparação integral
A decisão fundamentou-se nos arts. 37, §6º, da Constituição Federal e 43 e 927 do Código Civil, reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado pela omissão no cumprimento de dever legal. A falta de pagamento da gratificação, segundo o juízo, configura ato ilícito indenizável, atraindo o dever de reparação integral dos danos materiais e morais sofridos pela servidora.
“Quem causa um dano por meio de ato ilícito tem a obrigação de repará-lo integralmente”, citou o juiz, com base no art. 927 do Código Civil. Além das verbas salariais, o valor fixado a título de dano moral buscou compensar o abalo emocional e a frustração decorrentes do atraso em verba de caráter alimentar, ressaltando o dever estatal de observância à legalidade e à eficiência administrativa.
Legalidade e tutela judicial
Ao concluir, o magistrado reafirmou que a intervenção judicial em matéria administrativa é legítima quando a conduta do Estado afronta a lei ou o direito subjetivo do servidor. No caso, o não pagamento da gratificação de curso, mesmo diante do cumprimento das exigências legais, caracterizou violação à legalidade e justificou a atuação corretiva do Judiciário.
“Estando prevista em lei, a concessão de gratificação por titulação constitui ato vinculado e não se submete à discricionariedade administrativa, sendo exigível judicialmente quando negada ou retardada pelo Estado”, concluiu a sentença.
Autos nº. 0605134-94.2022.8.04.4400