A Desembargadora Mirza Telma de Oliveira Cunha, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), entendeu que exigir do consumidor a apresentação de extrato bancário para comprovar o crédito em ações sobre Reserva de Margem Consignável (RMC) contraria o princípio da inversão do ônus da prova. Com esse fundamento, a magistrada anulou sentença da 16ª Vara Cível de Manaus, que havia extinguido sem julgamento de mérito uma ação movida por beneficiária do BPC/LOAS contra o Banco BMG.
A consumidora alegava ter sido induzida a contratar, sem plena ciência, um cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) em vez de um empréstimo consignado comum, e sustentava a ocorrência de vício de consentimento. O juízo de primeiro grau havia indeferido a petição inicial por considerar insuficiente a emenda apresentada, sob o argumento de que a autora não juntou extrato bancário comprovando o crédito integral do valor contratado.
Ao reformar a decisão, a relatora destacou que a exigência do extrato bancário “se contrapõe à regra da inversão do ônus da prova, direito básico do consumidor em razão de sua hipossuficiência técnica e econômica”. A magistrada também citou o IRDR nº 0005217-75.2019.8.04.0000, julgado pelo próprio TJAM, que reconhece a invalidade da contratação de RMC quando o consumidor não tem ciência dos detalhes do contrato, devendo o negócio ser convertido em empréstimo consignado comum.
Segundo a decisão, o juízo de origem “atribuiu à parte autora o ônus de provar fato negativo”, desconsiderando que o banco, como fornecedor de serviços, é quem deve demonstrar a regularidade da contratação, apresentando o contrato, o termo de consentimento e o comprovante de crédito em conta. A relatora considerou que o indeferimento da inicial por ausência desses documentos “configura excesso de formalismo e violação ao direito fundamental de acesso à Justiça”.
O acórdão cita ainda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.991.550/MS), segundo o qual apenas os documentos indispensáveis à propositura da ação podem ser exigidos para o recebimento da inicial, sendo vedado ao juízo condicionar o acesso à jurisdição à apresentação de provas que podem ser produzidas em momento posterior.
Ao final, o Tribunal anulou a sentença e determinou o retorno do processo à 16ª Vara Cível para prosseguimento do feito, com o reconhecimento da inversão do ônus da prova e a concessão da justiça gratuita à autora.
Processo 0591474-67.2024.8.04.0001
