A conduta da administração, ao manter o autor por anos em situação de instabilidade contratual e findar abruptamente o vínculo sem respeito à dignidade da pessoa humana e aos princípios que regem o serviço público, configura ato lesivo à esfera íntima do autor, justificando a compensação por danos morais, definiu a sentença da Juíza Rebecca Ailen Nogueira Vieira Aufiero.
A Justiça do Amazonas examinou um caso em que o servidor sustentava ter direito à estabilidade excepcional prevista na Constituição, por exercer função pública, sem concurso, desde 1983, e alegava ter sido afastado do cargo em 2013. Embora tenha requerido a reintegração, o pedido foi rejeitado diante da ausência de provas suficientes da continuidade do vínculo até 1988.
A instrução processual conduzida pela Juíza Rebecca Ailen Nogueira Vieira Aufiero, apurou, no entanto, que o trabalhador permaneceu por décadas submetido a sucessivas prorrogações de contratos temporários, prática considerada ilícita, o que levou à condenação do Município ao pagamento de indenização por danos morais.
A estabilidade excepcional e sua aplicação
Prevista no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a estabilidade excepcional foi um regime transitório instituído pela Constituição de 1988 para assegurar a permanência de servidores admitidos sem concurso que já estivessem em exercício há pelo menos cinco anos na data de sua promulgação.
O dispositivo buscava consolidar situações fáticas consolidadas antes da nova ordem constitucional, evitando dispensas arbitrárias. No entanto, sua aplicação depende de prova inequívoca do vínculo contínuo até 1988 — requisito que, no caso concreto, não foi atendido.
O exame da prova
Nos autos, a única ficha financeira apresentada datava de 2005, e as testemunhas ouvidas não conseguiram confirmar a manutenção ininterrupta do vínculo funcional entre 1983 e 1988. Além disso, houve divergência nos registros administrativos: em um documento, a função inicial constava como serviços gerais, enquanto em outro aparecia a função de vigia. Diante desse quadro probatório frágil, a magistrada Rebecca Ailen Nogueira Vieira Aufiero concluiu pela impossibilidade de reconhecer a estabilidade excepcional e afastou o pedido de reintegração.
A irregularidade administrativa
Por outro lado, a própria defesa municipal admitiu que o servidor permaneceu por anos vinculado por contratos temporários sucessivos, em atividade de natureza permanente. Para a juíza, a prática configura burla à legalidade administrativa e ofende a dignidade da pessoa humana, expondo o trabalhador a instabilidade prolongada e insegurança quanto à própria subsistência. Essa conduta, considerada abusiva, fundamentou a condenação do Município de Eirunepé ao pagamento de R$ 15 mil em danos morais, valor fixado como compensatório e pedagógico.
O julgamento reforça dois pontos: de um lado, que a estabilidade excepcional do art. 19 do ADCT exige comprovação clara e contínua do vínculo até 1988; de outro, que a prática de contratos temporários sucessivos para funções permanentes, ainda comum em municípios do interior, caracteriza abuso administrativo e enseja reparação moral.
Embora tenha negado a reintegração, a magistrada acolheu em parte o pedido inicial e fixou indenização por danos morais em R$ 15 mil, reconhecendo que a própria forma de contratação sucessiva e precária do autor configurou violação à sua dignidade.
Processo n.: 0000135-58.2014.8.04.4100