Na 7ª edição da Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (e-Revista – CNJ), um artigo apresenta os motivos que os juízes e as juízas têm para conhecer e aplicar, em suas análises e decisões, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), como indica o CNJ na Recomendação CNJ n. 123/2022.
“Juízes e juízas brasileiras estão livres para ignorar a jurisprudência da Corte Interamericana? Até que ponto ela é obrigatória?”, são algumas das questões esclarecidas no artigo, tendo como base a orientação do CNJ aos tribunais. O autor constrói as bases para reforçar a obrigatoriedade da jurisprudência da Corte Interamericana a partir da notificação do Estado.
Escrito pelo promotor de Justiça do Amazonas Vitor Fonseca, doutor em direito pela PUC/SP e coordenador da linha de pesquisa “Processo Civil e Direitos Humanos” do Grupo de Estudos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (GESIDH), o autor interpreta a Recomendação n. 123 do CNJ utilizando estudos teóricos do Direito para fundamentar o poder de orientação da normativa postulada pelo órgão de orientação administrativa do Poder Judiciário.
Ele cita dados que comprovam a utilização das recomendações como forma de orientar os tribunais em diversos temas. Até dezembro de 2022, o CNJ expediu 139 recomendações adotadas devidamente pelos tribunais, como a implantação de equipes interprofissionais em todas as comarcas (Recomendação CNJ n. 2/2006), a prioridade processual de idosos (Recomendação CNJ n. 14/2007), a realização de depoimento especial para crianças e adolescentes (Recomendação CNJ n. 33/2010) e a gestão de precatórios (Recomendação CNJ n. 39/2012). Vitor Fonseca alerta que alguns autores sustentam que o descumprimento das recomendações do CNJ pode acarretar falta funcional e administrativa do administrador, servidor ou magistrado.
O autor destaca que a Recomendação n. 123 do CNJ possui apenas dois artigos: o primeiro, que trata da observância do controle da convencionalidade das leis internas; e o segundo, que trata da data de entrada em vigor da publicação. Controle de convencionalidade é o nome dado à verificação de compatibilidade da legislação de um Estado com as normas dos tratados internacionais firmados e incorporados pelo país.
Países que integram o sistema interamericano submetem-se ao poder decisório da Corte IDH. “As decisões da Corte IDH não são exortações diplomáticas ou políticas, mas decisões judiciais às quais o Brasil se autovinculou por tratados internacionais (…) Com essa recomendação, o juiz brasileiro e a juíza brasileira não podem mais duvidar de que são também juízes interamericanos”, conclui.
Aplicação brasileira
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte IDH para fatos ocorridos a partir do seu reconhecimento (Decreto Legislativo n. 89/1998). Também reconheceu como obrigatória a competência da Corte internacional em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A única reserva foi o limite temporal: a competência se dá apenas para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998. Assim sendo, explica o artigo, mesmo sem ser obrigado, o Brasil reconheceu a jurisdição obrigatória da Corte IDH e, hoje, submete-se à sua competência consultiva e contenciosa, pelo menos a respeito dos fatos ocorridos a partir de 10 de dezembro de 1998.
Vitor Fonseca cita a jurista Flávia Piovesan, membra da Comissão Interamericana de Direitos Humanos entre 2018 e 2021, ao defender a efetiva aplicação da Convenção e sua aplicação em casos regionais.
“Em caso de condenação do Brasil perante a Corte IDH, não há necessidade de homologação. A esse respeito, aliás, o art. 68.1 da CADH, ao contrário, demonstra que as sentenças da Corte IDH têm eficácia imediata na ordem jurídica interna. Se as sentenças da Corte Interamericana prescindem de homologação interna em solo brasileiro, sua eficácia é imediata”, diz o texto.
Conteúdo
A edição mais recente da e-Revista do CNJ publica 10 artigos inéditos relativos ao Sistema de Justiça e o Poder Judiciário, com enfoque em três eixos temáticos: defesa dos Direitos Humanos, proteção de dados e segurança cibernética.
Além da análise sobre a Recomendação n. 123 do CNJ, há outros textos que abordam temas como: violência doméstica em mulheres em situação de rua na pandemia da covid-19; papel do Poder Judiciário na efetivação de um constitucionalismo feminista; combate aos vieses raciais nos programas de reconhecimento facial; segurança cibernética no escopo da LGPD; e um artigo que discorre sobre políticas judiciárias transparentes, eficientes e responsáveis, além da importância dos critérios fundamentados em evidências na aplicação das medidas socioeducativas.
Na Seção de Jurisprudência, a publicação apresenta sete votos selecionados pelos conselheiros e conselheiras do CNJ: Luis Felipe Salomão; Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho; Marcello Terto e Silva; Marcio Luiz Freitas; Mario Goulart Maia; Richard Pae Kim; e Salise Monteiro Sanchotene. Os votos são publicados na íntegra e apresentam um panorama dos temas debatidos no plenário no primeiro semestre de 2023.
Com informações do CNJ