A decisão da Juíza Anagali Marcon reafirma que, uma vez instituída por lei específica, a revisão geral anual integra o patrimônio jurídico do servidor, sendo inaplicável qualquer limitação posterior que pretenda restringir seus efeitos financeiros já consumados.
A Justiça do Amazonas reconheceu, em ação de cobrança de um servidor militar, que o Estado deve pagar as diferenças salariais retroativas da data-base de 2020, ao constatar que o reajuste de 9,27%, previsto na Lei Estadual nº 4.618/2018, só foi implementado em janeiro de 2021, contrariando a data de início fixada pelo próprio legislador — 1º de abril de 2020.
Segundo a sentença, o atraso na execução da norma não elimina o direito material já adquirido pelo servidor, uma vez que o reajuste fora concedido por lei e possuía termo inicial certo. Ao aplicar o §2º do art. 6º da LINDB, a magistrada ressaltou que o direito à diferença remuneratória nasce no momento em que a condição legal se concretiza, e não na data em que o pagamento é efetivado.
A incorporação do aumento financeiro ao patrimônio material do servidor ocorre pelo preenchimento dos requisitos previstos em lei, e não pelo efetivo pagamento em contracheque”, registrou a decisão
O juízo também afastou a aplicação retroativa da Lei nº 5.772/2022, que redefiniu o termo inicial do reajuste para janeiro de 2021, entendendo que a norma posterior não poderia esvaziar efeitos financeiros já incorporados sob a vigência da lei de 2018. Na prática, a decisão preserva a eficácia da legislação anterior, atribuindo-lhe caráter ultrativo quanto aos fatos ocorridos entre abril e dezembro de 2020.
Nem o juiz, por decisão judicial, nem o legislador, por lei nova, podem retirar do cidadão um direito que já foi adquirido e incorporado ao seu patrimônio”, afirmou. Com base em precedentes do Tribunal de Justiça do Tocantins, que reconheceu o direito de servidores à percepção de retroativos decorrentes de implementação tardia de datas-bases, o Juizado amazonense concluiu que o dever de pagar não decorre de nova concessão, mas do cumprimento integral da lei já existente.
O juízo ainda observou que a Lei de Responsabilidade Fiscal não pode ser utilizada como obstáculo para o pagamento de verbas já previstas em lei, reafirmando que o equilíbrio fiscal não prevalece sobre o direito subjetivo à revisão geral anual, garantido pelo art. 37, X, da Constituição Federal.
Determinou-se, por fim, que o Estado apresente os cálculos das diferenças devidas — incluindo reflexos sobre soldo, gratificação de tropa, 13º salário e férias proporcionais —, aplicando-se correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora conforme o art. 1º-F da Lei 9.494/97, à luz do Tema 810 do STF.
Processo n. : 0074106-78.2025.8.04.1000