A 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, reconheceu o direito de uma servidora pública federal ser removida do órgão público em que trabalha no Amazonas para outro no Ceará, por motivo de saúde, independentemente do interesse da Administração. Conforme o processo, a servidora foi vítima de assédio moral e sexual praticados por seu superior hierárquico, o que resultou em comprometimento psíquico severo e consequente afastamento do trabalho.
Na 1ª Instância, o juízo da 3ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas (SJAM) havia extinguido o processo sem resolução do mérito e julgado improcedente o pedido de reparação por danos morais, sob o fundamento de ausência de interesse processual diante da aposentadoria da servidora.
O Caso
De acordo com os autos, desde seu ingresso na instituição em que trabalha, a servidora passou a ser vítima de repetidas práticas reiteradas de assédio moral e sexual praticadas por seu superior hierárquico, como, por exemplo, convites insistentes fora do expediente, perseguições e ameaças profissionais, resultando em comprometimento psíquico severo e consequente afastamento do exercício laboral.
O caso foi objeto de denúncia no âmbito administrativo, ocasião em que foi recomendada a demissão do servidor agressor. Contudo, o procedimento foi arquivado sob alegação de prescrição da pretensão punitiva.
Diante do agravamento do seu estado de saúde após o falecimento de sua mãe, a servidora foi obrigada a assumir cuidados com sua avó idosa residente no Ceará, circunstância que ensejou o requerimento de remoção para outro órgão público no referido estado, por razões médicas e humanitárias, devidamente respaldadas por laudos técnicos e manifestação da Comissão Executiva de Prevenção e Combate ao Assédio Moral da instituição pública na qual a servidora laborava.
Após o proferimento da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, foi emitido laudo oficial pelo Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) reconhecendo a invalidez permanente da autora decorrente de moléstia profissional.
O processo chega ao Tribunal
Em seu recurso ao Tribunal, a autora sustentou que, mesmo após a aposentadoria, permanece o interesse no pedido de remoção, uma vez que a Comissão Executiva do Acordo de Cooperação Técnica para Criação de Mecanismos de Atenção, Prevenção e Combate ao Assédio Moral (CECAM), do órgão público, recomendou a sua desaposentadoria. Requereu ainda a reparação por danos morais relacionados ao assédio moral e sexual no serviço público.
A relatora, desembargadora federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, ao analisar o caso, destacou que a servidora, no exercício do cargo, foi acometida por distúrbios psíquicos de significativa gravidade, decorrentes de reiteradas condutas assediadoras por parte de seu superior hierárquico. “Laudos periciais e pareceres técnicos subscritos pelos integrantes da Comissão Executiva de Combate ao Assédio Moral (Cecam) atestam, de forma irrefutável, o nexo causal entre o ambiente laboral nocivo e o adoecimento da servidora”, afirmou a magistrada.
Para a desembargadora federal, uma vez configurado o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho e a necessidade da remoção da servidora, conforme apurado pela Cecam, devem ser adotados os mecanismos legais e convencionais de proteção à dignidade da pessoa humana em razão de o fato constituir grave violação dos seus direitos da personalidade.
Enfrentamento ao assédio moral e sexual
No voto, a desembargadora federal Rosimayre Gonçalves citou a Resolução CNJ n. 351/2020, que consagrou a política de enfrentamento ao assédio e à discriminação no Judiciário.; a Portaria Normativa AGU n. 154/2024, que, no âmbito do Poder Executivo, institui políticas preventivas e de responsabilização contra o assédio e a discriminação, assim como a Convenção n. 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção n. 111 da OIT e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da Organização das Nações Unidas (ONU), que impõem ao Estado brasileiro o dever de prevenir, punir e erradicar todas as formas de assédio e discriminação.
“No Brasil temos, ainda, que, em 2019, foi aprovado pela Câmara Federal o Projeto de Lei 4742/2001, que classifica a prática de assédio como crime e, em setembro de 2022, a Lei 14.457/2022 implementou o Programa Mais Mulheres e prevê diversas questões para garantir melhores condições para as mulheres, contextualizando a prevenção e combate ao assédio e outras formas de discriminação no ambiente de trabalho”, ressaltou a relatora.
Reparação
Quanto aos danos morais, para a magistrada, diante das práticas abusivas no ambiente funcional, bem como da omissão administrativa na responsabilização do agressor, ficou demonstrada a responsabilidade objetiva da Administração para reparação dos danos sofridos pela apelante.
A desembargadora federal registrou ainda em seu voto “que esse julgamento sobreleva em importância no cenário judiciário, tendo em vista que reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a proteção da dignidade do servidor público e com a efetividade dos direitos fundamentais no ambiente institucional”.
Com isso, o Colegiado deu parcial provimento ao recurso para reconhecer o direito à remoção da apelante por motivo de saúde, independentemente do interesse da Administração; e condenar o órgão público ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 150 mil reais, atualizado monetariamente desde a data desta decisão e acrescida de juros de mora a partir do evento danoso.
Processo: 0008472-37.2014.4.01.3200
Fonte: TRF1