Tarumã-Açu: área que expõe o conflito entre proteção ambiental e direito à moradia no Amazonas

Tarumã-Açu: área que expõe o conflito entre proteção ambiental e direito à moradia no Amazonas

A região do Tarumã-Açu, em Manaus, tornou-se palco de um complexo embate jurídico e institucional que envolve a retirada de flutuantes construídos irregularmente nos igarapés da capital. O caso, judicializado por meio da Ação Civil Pública nº 0628242-36.2017.8.04.0001, revelou tensões entre a necessidade de proteger os recursos hídricos e o dever do Estado de garantir o direito à moradia de populações vulneráveis.

Em outubro de 2024, a Vara Especializada do Meio Ambiente condenou o Estado do Amazonas, o IPAAM e a SUHAB a elaborarem, em conjunto com o Município de Manaus, um plano de ação para a remoção dos flutuantes, impedimento de novas ocupações, levantamento e cadastro das estruturas já existentes, além da inclusão habitacional de moradores em situação de vulnerabilidade.

A decisão fundamentou-se nos princípios da precaução, da vedação ao retrocesso ambiental e da sustentabilidade, além de citar o descumprimento da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) e da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981). Segundo o Juiz Moacir Pereira Batista, não há, até o momento, plano de bacia nem comitê gestor para a região, e o uso do espelho d’água vem sendo feito sem licenciamento adequado, sem outorga e sem controle de impactos ambientais.

Ministério Público: responsabilidade direta do Estado
O Estado, o IPAAM e a SUHAB recorreram da sentença, alegando ausência de interesse de agir do Ministério Público, incompetência da Justiça Estadual (por se tratar de rios federais), coisa julgada em ação anterior contra o Município e responsabilidade subsidiária, com base na Súmula 652 do STJ.

Nas contrarrazões, o Ministério Público do Amazonas sustentou que a omissão estatal é evidente e que as obrigações impostas pela sentença decorrem de competências legais expressas, como o licenciamento ambiental, o controle de uso de recursos hídricos e a promoção de políticas públicas habitacionais. Segundo a promotora Ana Claudia Abboud Daou, o caso ultrapassa a esfera municipal e envolve obrigações constitucionais do Estado em matéria ambiental e social.

Para o MP, a atuação estatal, inclusive por meio do IPAAM, foi marcada pela inércia, o que permitiu o avanço desordenado dos flutuantes. A sentença, ao impor a elaboração de um plano conjunto com o Município e exigir ações coordenadas, não extrapola os limites da atuação judicial, mas apenas assegura a efetividade dos direitos difusos tutelados, defende o MPAM.

Defensoria Pública: risco de remoção forçada e impacto social
No aspecto social, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) passou a atuar no processo, buscando suspender os efeitos da decisão judicial. A DPE argumenta que muitos dos flutuantes funcionam como residências permanentes, abrigando famílias, comércios e até unidades de ensino e saúde, e que sua retirada imediata causaria grave lesão social e econômica.

Com base nesse argumento, a Defensoria obteve decisões liminares favoráveis em 2024 e 2025, incluindo uma da vice-presidente do TJAM, desembargadora Joana Meireles, que suspendeu temporariamente a remoção. Além disso, foi criado um grupo de trabalho técnico entre a DPE e o MP para avaliar alternativas viáveis e propor protocolos de regularização e proteção socioambiental.

A Defensoria defende que a medida judicial deve ser modulada, com o fornecimento prévio de alternativas habitacionais para as famílias impactadas e participação das comunidades na construção de soluções sustentáveis, a fim de conciliar o direito à moradia com a preservação ambiental, em linha com decisões do STF sobre intervenção judicial em políticas públicas.

Um dilema estrutural ainda sem solução
O caso do Tarumã-Açu evidencia um conflito típico de demandas complexas e estruturais, em que a omissão histórica do poder público contribuiu para o agravamento do problema. De um lado, há o dever legal e constitucional de preservar o meio ambiente e evitar a degradação de corpos hídricos. De outro, há o direito à moradia e à dignidade de famílias que ocupam os flutuantes há anos, muitas vezes por ausência de políticas urbanas efetivas.

Ainda pendente de julgamento definitivo da apelação, a causa se encaminha para se tornar referência no Amazonas sobre a compatibilização entre proteção ambiental e justiça social, exigindo do Judiciário não apenas decisões técnicas, mas sensíveis à complexidade do território e às múltiplas camadas de interesse público envolvidas.

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