Comprovada a existência de uma relação pública, contínua e duradoura anterior à formalização legal, pode ser afastada a restrição legal imposta com o objetivo de prevenir fraudes previdenciárias, prevalecendo a verdade material. Foi o que definiu o TJAM, com voto da Desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo.
A concessão de pensão por morte no regime próprio de previdência dos servidores públicos está condicionada à demonstração do vínculo afetivo entre o segurado falecido e seu dependente. A legislação estadual estabelece prazos mínimos de duração da união e de contribuições vertidas como forma de prevenir abusos e fraudes previdenciárias, especialmente em situações em que a formalização do vínculo ocorre próximo ao falecimento.
No entanto, quando comprovada a existência de uma relação pública, contínua e duradoura anterior à formalização legal, a restrição pode ser afastada, prevalecendo a verdade material.
Com base nesse entendimento, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas manteve sentença que reconheceu a existência de união estável entre um servidor e a falecida ex-companheira, determinando o restabelecimento da pensão por morte em favor do autor da ação, com pagamento vitalício. O julgamento ocorreu nos autos da Apelação, sob relatoria da Desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo.
A Fundação Amazonprev, ao interpor o recurso, sustentou que o casamento entre o autor e a segurada havia sido formalizado poucos meses antes do falecimento, o que limitaria o benefício ao período de quatro meses, conforme o art. 32, inciso VIII, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual nº 30/2001, com redação dada pela LC nº 121/2017. A autarquia previdenciária argumentou que não foram preenchidos os requisitos para a concessão de pensão vitalícia, dada a brevidade do vínculo conjugal formal.
Contudo, segundo os documentos apresentados no processo, a convivência entre o autor e a falecida começou anos antes, sendo confirmada por diversos elementos: comprovantes de residência comum, postagens em redes sociais que evidenciavam a vida em casal, registro de união estável nos assentamentos da repartição e declaração de convivência marital com testemunhas, lavrada em cartório.
Diante dessas provas, a magistrada relatora considerou demonstrada a existência de união estável com início anterior à formalização, afastando a limitação legal invocada pela Amazonprev.
A decisão destacou que o objetivo da norma restritiva é evitar fraudes, mas que, no caso concreto, não houve qualquer indício de simulação ou má-fé, sendo a relação devidamente comprovada. Como o autor tinha mais de 44 anos na data do óbito da companheira, foi reconhecido o direito à pensão por morte de forma vitalícia, nos termos do art. 32, inciso VIII, alínea “c”, item 6, da LC nº 30/2001.
O acórdão citou precedentes do próprio TJAM que admitem a comprovação da união estável por meios documentais e testemunhais, mesmo quando não formalizada à época do falecimento, desde que haja demonstração da convivência duradoura. Ao final, por unanimidade, a Primeira Câmara Cível negou provimento ao recurso da Amazonprev, mantendo a sentença que restabeleceu o benefício desde a cessação do pagamento.
Processo n. 0771997-45.2022.8.04.0001 |