Decisão de Ribeiro Dantas reforça o sistema acusatório e veda conversão automática de flagrante em preventiva, mesmo diante de crimes graves.
O Superior Tribunal de Justiça voltou a reafirmar os limites do poder jurisdicional em matéria de prisão cautelar. Em decisão publicada nesta quarta-feira (15/10), o ministro Ribeiro Dantas, relator do AREsp 2.986.964, entendeu que o juiz não pode decretar prisão preventiva de ofício, nem converter prisão em flagrante quando o Ministério Público se manifesta apenas pela aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal.
O caso teve origem em audiência de custódia na qual o promotor de Justiça opinou pela concessão da liberdade provisória com cautelares alternativas. Apesar disso, o juiz de primeiro grau converteu o flagrante em prisão preventiva, por iniciativa própria. O Tribunal de Justiça do Estado considerou o ato ilegal e concedeu habeas corpus, entendimento mantido pelo STJ.
Atuação de ofício viola sistema acusatório
Para o relator, a conduta do juiz violou o sistema acusatório consagrado pela Constituição Federal e reafirmado pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que retirou do artigo 311 do CPP a expressão “de ofício”. Desde essa alteração, explica o ministro, a decretação de prisão preventiva depende de prévio requerimento do Ministério Público, do querelante ou da autoridade policial, sendo vedado ao magistrado atuar por iniciativa própria, ainda que diante de fatos graves.
“A manifestação ministerial por medidas cautelares mais brandas não autoriza o juiz a decretar prisão preventiva — fazê-lo é agir de ofício, em afronta ao sistema acusatório”, escreveu Ribeiro Dantas.
O relator destacou que o pedido do Ministério Público por medidas alternativas não supre o requisito de provocação expressa, porque se trata de manifestação em sentido oposto à prisão. Assim, a conversão realizada pelo magistrado extrapolou os limites da provocação e configurou iniciativa indevida, violando os arts. 311 e 282, §4º, do CPP.
Jurisprudência consolidada
A decisão faz eco a uma série de julgados recentes que consolidam o mesmo entendimento. A 3ª Seção do STJ, no RHC 131.263/GO (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior), já havia declarado inviável a conversão de prisão em flagrante em preventiva sem requerimento formal. O Supremo Tribunal Federal também tem reafirmado a tese, notadamente nos HCs 192.532 (Rel. Min. Gilmar Mendes) e 198.774 (Rel. Min. Edson Fachin), ambos de 2021.
Mais recentemente, a Quinta Turma do STJ, no REsp 2.161.880/GO (Rel. Min. Joel Ilan Paciornik), formulou tese explícita de que “a imposição de medida mais gravosa do que a postulada viola o sistema acusatório e a imparcialidade judicial”.
Efeitos práticos e pedagógicos
A decisão de Ribeiro Dantas reforça o movimento de contenção da atuação judicial de ofício e consolida o entendimento de que a privação cautelar de liberdade deve sempre decorrer de provocação formal, em respeito à separação de funções entre acusar e julgar.
O julgado também serve de parâmetro para audiências de custódia em todo o país, nas quais ainda se verifica a conversão automática de flagrantes em preventivas sob a justificativa de “garantia da ordem pública” — prática agora definitivamente enquadrada como ato ilegal.
Ao negar provimento ao recurso especial do Ministério Público, o STJ reafirma que, mesmo diante da gravidade do crime ou da reincidência, o juiz não pode substituir o papel do órgão acusador nem agir sem provocação formal.
AREsp 2986964