STF vai definir papel da Defensoria Pública como fiscal dos vulneráveis após caso do Amazonas

STF vai definir papel da Defensoria Pública como fiscal dos vulneráveis após caso do Amazonas

Suprema Corte analisará, com repercussão geral, se a Defensoria pode intervir em processos penais individuais sem invadir atribuições do Ministério Público. A decisão é do Ministro Luiz Fux, do STF.

Um caso originado no Tribunal de Justiça do Amazonas levará o Supremo Tribunal Federal a definir os limites constitucionais da atuação da Defensoria Pública na condição de custos vulnerabilis — o “fiscal dos vulneráveis” — em processos penais individuais. A decisão de submeter o tema ao regime da repercussão geral foi tomada no Recurso Extraordinário nº 1.498.445, de relatoria do ministro Luiz Fux, durante sessão plenária. 

O caso: revisão criminal e a atuação institucional da Defensoria

A controvérsia nasceu de uma revisão criminal proposta pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas em favor de Adriano Batista de Araújo, condenado a 3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão por roubo majorado tentado (art. 157, §2º, I e II, c/c art. 14, II, do Código Penal).

Na ação revisional, a Defensoria sustentou que a sentença havia considerado indevidamente a reincidência, sem provas concretas, o que agravou a pena e resultou em regime prisional mais severo (semiaberto).

Durante o trâmite no TJAM, o relator, Desembargador Anselmo Chíxaro, determinou a intimação do Defensor Público-Geral do Estado para que se manifestasse como custos vulnerabilis — figura criada pela jurisprudência para permitir que a Defensoria atue em defesa dos vulneráveis e dos direitos humanos, mesmo quando não é representante direta da parte.

A medida foi mantida pelo colegiado local, o que levou o Ministério Público do Amazonas a interpor recurso extraordinário, alegando que a Defensoria teria ultrapassado os limites constitucionais de sua função, invadindo o campo de atuação do MP, previsto no artigo 127 da Constituição Federal.

A controvérsia: o alcance do “custos vulnerabilis”

No recurso ao STF, o Ministério Público questionou a legitimidade da Defensoria Pública para atuar como custos vulnerabilis em processos penais individuais, independentemente de haver advogado constituído ou defesa própria da instituição.

Para o MP, permitir essa intervenção “ampliaria de forma desmedida as atribuições da Defensoria Pública”, gerando confusão institucional e sobreposição de funções entre as duas carreiras essenciais à Justiça.

O ministro Luiz Fux, ao relatar o caso, observou que a questão transcende os limites subjetivos da causa e afeta diretamente o equilíbrio entre o Ministério Público e a Defensoria Pública, ambos com papéis constitucionais próprios. Por isso, propôs o reconhecimento da repercussão geral, para que o Plenário uniformize a interpretação constitucional sobre o tema.

A Defensoria e sua função democrática

Em sua manifestação, o ministro Fux citou o artigo 134 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 80/2014, destacando que a Defensoria Pública é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, incumbida da orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e defesa judicial e extrajudicial dos necessitados.

“A previsão constitucional que define a Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático evidencia sua relevância para a consolidação de um Estado de Direito que assegure a todos, sobretudo aos socialmente vulneráveis, o acesso efetivo à Justiça”, afirmou o relator.

O ministro também recordou o precedente da ADPF 709, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que consolidou os critérios de admissibilidade da Defensoria como custos vulnerabilis, especialmente quando estiverem em jogo direitos fundamentais de grupos vulneráveis ou risco de desproteção judicial.

Critérios e relevância do julgamento

Na ADPF 709, o Supremo fixou quatro requisitos para o ingresso da Defensoria como custos vulnerabilis: vulnerabilidade social dos destinatários da decisão judicial; elevado grau de desproteção dos interesses envolvidos; requerimento por defensor com atribuição institucional; e pertinência temática com a missão da Defensoria.

Fux assinalou que o caso do Amazonas representa situação paradigmática, pois obriga o Supremo a delimitar quando a Defensoria pode ser chamada a intervir institucionalmente, sem transformar o custos vulnerabilis em instrumento de sobreposição funcional.

O Plenário, por maioria, reconheceu a repercussão geral da questão, vencidos os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, que entenderam não haver relevância constitucional suficiente no caso concreto.

Síntese e alcance nacional

A decisão não julga o mérito, mas abre caminho para um pronunciamento vinculante do Supremo sobre as fronteiras constitucionais entre o Ministério Público e a Defensoria Pública.

A definição da Corte terá impacto direto em todos os tribunais do país, estabelecendo parâmetros sobre quando e como a Defensoria pode atuar como fiscal dos vulneráveis, especialmente em processos penais individuais, onde sua função se aproxima da esfera do MP.

Nascido de um processo criminal amazonense, o caso coloca o Estado na origem de uma discussão que poderá redefinir o equilíbrio entre as funções essenciais à Justiça e consolidar o papel democrático da Defensoria Pública como guardiã dos vulneráveis.

Na ADPF 709 o Supremo reconheceu o papel da Defensoria como guardiã dos vulneráveis; agora, no caso do Amazonas, definirá até onde esse papel pode se estender nos processos penais individuais.

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.498.445 AMAZONAS 

RECTE:  MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

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