“Se os lacres do medidor permaneciam intactos, não há como imputar fraude ao consumidor.” Com esse fundamento, a juíza Lídia de Abreu Carvalho, da 4ª Vara Cível de Manaus, declarou nulo o Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI) lavrado pela Amazonas Energia e afastou a cobrança de R$ 3.749,43 por suposta recuperação de consumo na unidade consumidora do autor contra a concessionária.
Fragilidade das provas
A concessionária havia imputado ao cliente um “desvio trifásico de energia” e apresentado, como prova, telas do sistema interno e poucas fotografias do relógio medidor. Contudo, a magistrada destacou que as imagens mostravam os lacres preservados — instalados pela própria empresa — e que o TOI não foi acompanhado de laudo pericial, relatório técnico, histórico de consumo ou mesmo registro de quem acompanhou a inspeção, como exige a Resolução 414/2010 da ANEEL.
Para a juíza, o documento administrativo tem apenas presunção relativa de veracidade, incapaz de subsistir sem o conjunto probatório mínimo que o regulamento da agência determina. Assim, as provas apresentadas não se mostraram suficientes para caracterizar irregularidade ou autoria da suposta fraude.
Responsabilidade objetiva e ônus da prova
Na fundamentação, a decisão reafirmou que a concessionária, como prestadora de serviço público essencial, está submetida ao regime de responsabilidade civil objetiva do art. 37, §6º, da Constituição, além das regras do Código de Defesa do Consumidor. Nessas condições, cabia à empresa comprovar de forma inequívoca a ocorrência da fraude e a correção do cálculo de “recuperação de consumo” — ônus que não foi cumprido.
Danos morais afastados
Embora tenha reconhecido a inexigibilidade do débito, a juíza rejeitou o pedido de indenização por danos morais, por entender que não houve corte de energia nem negativação do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes. A cobrança, ainda que indevida, foi considerada insuficiente para configurar abalo aos direitos da personalidade.
A sentença julgou a ação parcialmente procedente. Assim, declarou a nulidade do procedimento administrativo e a inexigibilidade do débito; afastou a reparação por danos morais; e fixou sucumbência proporcional, condenando a Amazonas Energia a 70% das custas e honorários, e o autor a 30%, estes suspensos em razão da gratuidade.
Autos n.: 0547741-51.2024.8.04.0001