Recurso sem fundamentos claros não justifica reforma de sentença pelo Tribunal

Recurso sem fundamentos claros não justifica reforma de sentença pelo Tribunal

No âmbito do sistema judiciário brasileiro, o princípio da dialeticidade desempenha papel fundamental para assegurar a legitimidade e a efetividade do duplo grau de jurisdição. Esse princípio exige que os recursos interpostos pelas partes não apenas manifestem o desejo de reforma ou invalidação de uma decisão judicial, mas também contenham argumentação clara, coerente e específica acerca dos pontos em que o magistrado tenha eventualmente cometido equívocos. 

Com essa razão de decidir, a Desembargadora Onilza Abreu Gerth, do TJAM, rejeitou um agravo interno da Amazonas Energia contra decisão monocrática que, em juízo de admissibilidade de recurso, não conheceu de um apelo da concessionária contra sentença que a condenou a indenizar um restaurante em R$ 260 mil por danos materiais decorrentes da inatividade do comércio na razão de paralisação dos serviços face a obras da concessionária. 

Na ação, o Piaf Restaurante e Café, alegou que a requerida instalou indevidamente um poste de energia em frente ao seu estabelecimento comercial, causando prejuízos financeiros em razão dos dias em que o acesso ao estabelecimento foi impedido pelas máquinas da empresa, fato ocorrido em 2022. Acrescentou, também, que a concessionária não observou as normas legais para a instalação da rede elétrica na área.  

Condenada, a empresa apelou. Decisão monocrática não conheceu do apelo sob o fundamento de que o recurso se limitou a repetir os termos da contestação, reiterando a inaplicabilidade e inexistência de nexo causal e ausência de provas nos autos. Para a Relatora,  no recurso não é suficiente que o recorrente faça mera menção ou reprodução de qualquer peça anterior à sentença quando se pretende a reforma do ato decisório. Embora essa prática seja usual, a conduta processual não é aceitável pelo ordenamento jurídico, dispôs.

A empresa agravou. No julgamento do agravo a decisão monocrática foi mantida pela Segunda Câmara Cível. De acordo com os Desembargadores,  quando o recurso se limita a repetir os argumentos anteriormente expendidos, sem contextualizá-los às razões da sentença ou apontar os pretensos erros nela contidos, acaba por esvaziar o objetivo dialético do ato recursal.

Nesse cenário, torna-se inviável para o Tribunal analisar os elementos capazes de invalidar ou reformar a decisão, pois a ausência de argumentação específica implica a inviabilidade do conhecimento do recurso.

Embora conhecido, o agravo foi considerado insubsistente para efeitos de reforma da sentença ou da decisão monocrática, uma vez que deixou de impugnar de maneira concreta e específica os fundamentos decisórios. Como destacou o julgado, “a existência de irregularidade formal que impede o conhecimento do recurso de apelação por ofensa ao princípio da dialeticidade deve ser mantida como motivo para indeferimento”.

A observância ao princípio da dialeticidade é condição imprescindível para que os recursos sejam eficazes instrumentos de revisão judicial. É dever das partes apresentar, de forma fundamentada, as suas insurgências, viabilizando que o tribunal compreenda os pontos controvertidos e avalie a necessidade de correção das eventuais falhas contidas na decisão original.

Do contexto se extrai que ao elaborar um recurso, é fundamental concentrar-se exclusivamente na decisão que se pretende impugnar. É necessário demonstrar que os motivos apresentados no recurso abordam, de forma precisa, cada ponto da decisão questionada. O recorrente tem a obrigação de contestar a decisão de maneira específica, conforme previsto no art. 932, inciso III, do Código de Processo Civil. Esse dispositivo exige a impugnação clara e detalhada dos fundamentos da decisão recorrida, sob pena de o Relator rejeitar o recurso por ausência de enfrentamento específico dos fundamentos. 

Processo n. 0012196-77.2024.8.04.0000  
Classe/Assunto: Agravo Interno Cível / Perdas e Danos
Relator(a): Onilza Abreu Gerth
Comarca: Manaus
Órgão julgador: Segunda Câmara Cível
 

 

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