Juíza de MT usa ‘perspectiva de gênero’ e reverte justa causa de grávida demitida durante pandemia

Juíza de MT usa ‘perspectiva de gênero’ e reverte justa causa de grávida demitida durante pandemia

Freepik

Cuiabá/MT – Em novembro de 2020, durante o primeiro ano da pandemia, uma trabalhadora de uma empresa de energia de Cuiabá descobriu que estava grávida. Com medo de expor a si mesma e o bebê à doença para a qual ainda não havia vacina, ela comunicou o fato aos empregadores e, certa de que estava amparada pela legislação, se afastou do trabalho.

Em fevereiro de 2021 foi demitida por justa causa por abandono de emprego. Em junho do mesmo ano buscou a Justiça do Trabalho para reverter a decisão da empresa. Teve o processo julgado pela 4ª Vara do Trabalho de Cuiabá. A unidade acolheu o pedido da empregada e determinou o pagamento de indenização correspondente aos salários que ganharia entre a data da dispensa e setembro de 2021, quando acabaria o período de estabilidade da gestante.

Ao se defender no processo, a empresa alegou que a lei 14.151 de 12 de maio de 2021, que disciplinou o afastamento da empregada gestante não imunizada durante a pandemia, não se aplicaria à trabalhadora, já que entrou em vigor após ela ter sido dispensada. Disse ainda que, apesar de ter sido notificada, ela não justificou as ausências.

Os argumentos não foram aceitos pela juíza Deizimar Mendonça. Segundo ela, é preciso levar em consideração o fato de que a empresa sabia da gravidez e ainda a emergência de saúde pública que o país vivia à época. “Havia 173 mil mortes até 30 de novembro de 2020”, ponderou.

A magistrada destacou ainda as medidas provisórias e os decretos que possibilitavam o direcionamento da trabalhadora para qualificação, a redução proporcional da jornada e do salário e também a suspensão do contrato de trabalho, por até seis meses, ficando os salários do trabalhador a cargo do Governo Federal.

“A empresa, conhecedora de que era possível minimizar os riscos da pandemia, inclusive com a suspensão do contrato de trabalho e, mesmo ciente de que a trabalhadora estava grávida, não tomou nenhuma providência, tampouco notificou a obreira para comparecer, deixando transcorrer prazo suficiente para aplicar a justa causa por suposto abandono”, avaliou.

Perspectiva de gênero

A decisão foi tomada com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero instituído em fevereiro de 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo a magistrada, este protocolo foi criado em harmonia com normas como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW). O protocolo, segundo ela, reconhece as desigualdades históricas a que as mulheres estão submetidas e as consequências no reconhecimento de direitos nas decisões judiciais.

Ao julgar a ação, a magistrada explicou que a jurisprudência exige, quando há uma acusação de abandono de emprego, prova de que houve convocação para o retorno ao trabalho. Além disso, “em se tratando de empregada gestante no ápice da pandemia, a empresa deveria ter oferecido alguma alternativa, como a realização de teletrabalho ou mesmo a suspensão do contrato”, explicou.

Além dos salários que receberia até o final do período de estabilidade, a empresa deverá pagar ainda o aviso prévio proporcional, gratificação natalina e demais verbas trabalhistas. Deverá também comunicar o desligamento para fins de saque do FGTS e expedir as guias do seguro-desemprego, sob pena de pagar indenização substitutiva.

Por se tratar de decisão de 1º grau, cabe recurso ao TRT.

PJE: 0000348-10.2021.5.23.0004

Leia mais

A falta de avaliação do servidor para promoção não está dentro da margem de opção do Estado, fixa Justiça

É vedado à Administração Pública adotar conduta contraditória, especialmente quando frustra direitos funcionais cuja concretização depende de atos que ela própria deixou de...

Dissimulação de venda casada de iPhone com seguro implica danos morais indenizáveis no Amazonas

Consumidora foi à loja atraída por propaganda do iPhone, mas, ao tentar adquirir o aparelho, foi informada de que só poderia concluir a compra...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

STF valida uso de celular esquecido em cena do crime como prova, mesmo sem autorização judicial

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (25) que são válidas as provas obtidas por meio de perícia...

STJ decide que justiça gratuita, por si só, não afasta exigência de caução para tutela provisória

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a concessão da justiça gratuita não isenta...

Caso Patrícia Amieiro: ação contra policiais é suspensa por relator até avaliação de nova testemunha

O ministro Antonio Saldanha Palheiro concedeu liminar para suspender a ação penal contra quatro policiais acusados de envolvimento na morte da engenheira Patrícia...

Consumidor que sofreu choque elétrico deve ser indenizado

A Neoenergia Distribuição Brasília terá que indenizar um consumidor que sofreu choque elétrico após ter contato com poste de...