O governo brasileiro adiou a deliberação sobre a aplicação da chamada Lei de Reciprocidade, que autoriza a adoção de medidas tarifárias contra países que impõem barreiras comerciais ao Brasil. O recuo ocorreu no mesmo dia em que o ex-presidente norte-americano Donald Trump acenou positivamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York.
A pauta estava incluída na reunião ordinária do Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão responsável por enquadrar hipóteses legais e aprovar medidas de retaliação. O encontro começou às 10h30, mas o item foi retirado a pedido do próprio governo. Cerca de uma hora depois, Trump discursava na ONU, após breve conversa com Lula — que, segundo o republicano, teria gerado “excelente química” entre ambos.
A deliberação sobre a Lei de Reciprocidade integra o arsenal jurídico disponível ao Brasil para responder a práticas comerciais restritivas impostas por outros países. Amparada pela legislação interna e por normas multilaterais da Organização Mundial do Comércio (OMC), a medida permite a aplicação de sobretaxas e restrições de importação como contrapeso.
O adiamento expõe o dilema entre segurança jurídica e estratégia diplomática. Enquanto a Lei assegura previsibilidade normativa para importadores e exportadores, a execução efetiva depende da discricionariedade administrativa do Executivo. A postergação da decisão, diante do gesto político de Trump, evidencia como fatores externos influenciam a aplicação de normas de comércio exterior.
Na prática, a decisão de não votar o item evita um eventual agravamento de tensões comerciais em meio a um movimento de reaproximação política. Para agentes econômicos, contudo, a indefinição pode gerar insegurança jurídica em contratos e operações de comércio internacional, especialmente porque o Brasil se vale desse instrumento em consonância com tratados ratificados no âmbito da OMC.
O processo de deliberação foi postergado por pelo menos uma semana, mas interlocutores do governo admitem que o cronograma pode ser alterado em razão da possibilidade de uma reunião entre Lula e Trump. Do ponto de vista jurídico, o caso reafirma que, embora a Lei de Reciprocidade seja um instrumento normativo legítimo, sua aplicação é condicionada à avaliação política do Executivo — revelando a sobreposição da diplomacia à estrita execução normativa.