Decisão reafirma limites do habeas corpus, valor diferenciado da palavra da vítima em crimes sexuais e necessidade de fundamentação para perda do cargo público, requisito atendido. O Militar F.L.N segue fora da Corporação Militar do Amazonas.
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento a habeas corpus impetrado pela defesa de um policial militar condenado pela Justiça do Amazonas a 16 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, por estupro de vulnerável. O caso, que tramita sob segredo de justiça, envolve a enteada do réu, que tinha cinco anos à época dos fatos.
O ato impugnado foi acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o que atraiu a competência originária do STF para analisar o pedido, nos termos do art. 102, I, “i” da Constituição Federal.
Apesar de formalmente cabível, o habeas corpus foi considerado via inadequada, pois buscava a absolvição com base na reapreciação de provas — providência típica de revisão criminal. A jurisprudência do Supremo veda o uso do HC como sucedâneo dessa ação, salvo em casos de ilegalidade manifesta ou decisão teratológica, o que não se verificou.
Limites do habeas corpus
Segundo a ministra, a ação constitucional não se presta ao reexame de provas ou à revisão integral do processo, cabendo apenas a correção de ilegalidades flagrantes. Esse filtro processual, destacou, foi superado apenas para verificar a inexistência de vícios graves no acórdão do STJ.
Valor da palavra da vítima
O juízo de primeiro grau, o Tribunal de Justiça do Amazonas e o Superior Tribunal de Justiça concluíram que a materialidade e a autoria foram comprovadas pelo depoimento da vítima, corroborado por laudo psicossocial e pela oitiva de sua mãe, ouvida como testemunha indireta. A decisão reitera jurisprudência que atribui especial relevância probatória à palavra da vítima em crimes sexuais, especialmente quando alinhada a outros elementos de convicção.
Materialidade sem exame pericial
Como o delito envolveu atos libidinosos diversos da conjunção carnal, o exame de corpo de delito foi considerado prescindível diante da ausência de vestígios físicos, admitindo-se comprovação por outros meios de prova.
Rejeição do álibi
A defesa apresentou declaração e postagens em redes sociais relativas ao dia dos fatos, mas o STF considerou os elementos unilaterais e não submetidos ao contraditório, reputando-os insuficientes para desconstituir a condenação.
Perda do cargo público
A sentença determinou a perda do cargo de policial militar com base no art. 92, I, “b”, do Código Penal, ressaltando a incompatibilidade da conduta — crime hediondo contra criança — com a função de proteger a sociedade. A fundamentação específica atendeu à exigência legal e foi validada pelo Supremo.
Protocolo da Lei 13.431/2017
A oitiva da vítima seguiu o sistema de garantia de direitos previsto na Lei 13.431/2017, realizada em ambiente acolhedor e por profissional capacitado, o que, segundo a decisão, afasta alegações de indução ou formação de falsa memória.
Ao manter a condenação e os efeitos extrapenais, a ministra Cármen Lúcia destacou que o habeas corpus, embora tenha cabimento formal quando o ato impugnado emana de tribunal superior, não transforma o STF em instância revisora de fatos e provas.