Nas relações de consumo, sobretudo em uma região de dimensões continentais como o Amazonas, a localização geográfica do consumidor não pode ser convertida em obstáculo ao exercício de seus direitos. Quando se trata de recall — obrigação legal e inafastável do fornecedor —, transferir ao cliente o custo e o esforço logístico para corrigir defeito de fabricação é distorcer a lógica protetiva do Código de Defesa do Consumidor.
Em sentença contra a Murano Veículos, o Juiz Francisco Carlos de Queiroz, define a obrigação da concessionária de realizar o recall de um veículo da marca Fiat, adquirido pela autora da ação, residente em Tabatinga, cidade do interior do Amazonas onde não há assistência técnica autorizada da fabricante.
O caso envolveu o chamado “Recall Takata”, relativo a defeito no sistema de airbag que compromete a segurança do veículo. Após ser informada da necessidade de realizar o procedimento, a consumidora buscou atendimento junto à concessionária, sediada em Manaus, e foi orientada a levar o veículo à capital, às suas custas.
Diante da recusa em prestar o serviço no local ou fornecer alternativas viáveis, a autora ajuizou ação pedindo que a empresa arcasse com o transporte ou enviasse equipe técnica à cidade de sua residência.
Na sentença, o magistrado destacou que o recall é procedimento obrigatório, previsto no art. 10, §1º do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser cumprido integralmente pelo fornecedor, inclusive com a adoção de medidas que viabilizem sua realização de forma segura e acessível.
“Mostra-se desarrazoado e desproporcional exigir que a consumidora, por seus próprios meios, providencie o transporte do veículo até Manaus para a realização do recall”, asseverou.
Ao rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva, o juiz enfatizou que a concessionária integra a cadeia de fornecimento e, como tal, responde solidariamente pelos vícios do produto e pelas providências corretivas dele decorrentes, nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, 25, §1º e 34 do CDC. Com base nisso, determinou que, no prazo de 45 dias, a empresa adote uma das seguintes medidas: Envio de equipe técnica a Tabatinga/AM para realização do serviço de recall; ou transporte do veículo até Manaus/AM, às expensas da empresa.
Por outro lado, o juiz indeferiu o pedido de indenização por danos morais, ao entender que a omissão da concessionária não gerou sofrimento anímico de gravidade suficiente para justificar reparação extrapatrimonial, restringindo-se a mero aborrecimento contratual.
Ao fundamentar a sentença nos princípios da boa-fé objetiva, da cooperação e da confiança legítima, o magistrado reafirmou o dever das empresas de adequar sua conduta às limitações territoriais do consumidor, sob pena de transformar a distância em mecanismo de exclusão do sistema de proteção.
Autos nº. 0603905-95.2023.8.04.7300