Mesmo na ausência de qualquer prejuízo econômico ou material, o abalo moral decorrente da exposição pública a gritos e ofensas configura violação à esfera extrapatrimonial do indivíduo, o que por si só justifica a reparação civil.
Com essa definição, o Juiz Luiz Carlos Honório de Valois Coelho, da 9ª Vara Cível, proferiu sentença que reforça a proteção à dignidade humana em ambientes comerciais abertos ao público, ao reconhecer a ocorrência de dano exclusivamente moral.
O caso envolveu a atuação de um gerente do supermercados Coema que, de forma desrespeitosa, teria humilhado, verbalmente, um promotor de vendas em plena atividade comercial. O magistrado fixou indenização de R$ 6.000,00, com atualização e juros legais, a ser paga pela empresa ré, após reconhecer que a conduta de seu preposto extrapolou os limites da civilidade e da boa-fé objetiva.
O episódio relatado nos autos envolveu a reação desproporcional de um gerente, que, diante de um suposto erro na exposição de produtos vencidos, dirigiu palavras ofensivas, gritos e ordens de expulsão ao autor, na presença de clientes e funcionários. A ofensa teria ocorrida em ambiente de uso coletivo, dispensando prova técnica ou médica adicional. Assim, foram considerados os gritos e xingamentos do Gerente da empresa, associado às consequências vexatórias e públicas da vítima no espaço comercial público.
Responsabilidade objetiva e o dever de urbanidade
A decisão teve por base a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, prevista no art. 14 do CDC, estendendo seus efeitos mesmo a terceiros que não tenham vínculo contratual direto com a empresa. Ainda que afastada a incidência do CDC, o magistrado firmou entendimento de que os arts. 186 e 927 do Código Civil bastariam para fundamentar a obrigação de indenizar, dado o caráter antijurídico da conduta e o nexo causal com o abalo sofrido.
Dignidade ofendida e ausência de dano material não afastam reparação
A decisão ressalta que, mesmo na ausência de qualquer prejuízo econômico ou material, o abalo moral decorrente da exposição pública a gritos e ofensas configura violação à esfera extrapatrimonial do indivíduo, o que por si só justifica a reparação civil. E definiu: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Autonomia do dano moral e proteção constitucional da honra
O magistrado também citou o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988, que garante a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, destacando que esses direitos não dependem da existência de vínculo contratual entre as partes.
Para o juiz, o dano moral não é acessório de dano patrimonial, mas um instituto autônomo, voltado à proteção da dignidade em sua dimensão subjetiva e relacional. No caso concreto, a humilhação pública foi comprovada por testemunho harmônico e depoimento pessoal firme do autor, revelando-se prescindível a produção de prova técnica ou laudo psicológico.
Aplicação do CDC por equiparação e responsabilidade objetiva
A sentença também reconheceu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor com base no art. 17, que trata do consumidor equiparado — aquele que, mesmo sem contratar diretamente, é exposto aos riscos da atividade empresarial. A inversão do ônus da prova foi deferida com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC, e a responsabilidade civil da empresa foi firmada nos moldes do art. 14, que impõe responsabilidade objetiva ao fornecedor de serviços.
Processo n. 0710310-67.2022.8.04.0001