Sendo constatado que o consumidor assinou o contrato sem compreender claramente que se tratava de outra modalidade de crédito, o negócio jurídico nasce viciado. Entretanto, tendo havido o recebimento e uso do valor emprestado sob a legítima crença de que se tratava do financiamento originalmente pretendido, a intenção de contratar não pode ser desconsiderada.
Com essa disposição, no caso concreto, a juíza Lídia de Abreu Carvalho, da 4ª Vara Cível de Manaus, definiu que, embora a hipótese imponha a declaração de invalidade do contrato de cartão de crédito consignado por vício de consentimento, a efetiva liberação de valores pelo banco ao cliente não se afasta, de qualquer modo, da legítima expectativa de contratação do consumidor, ainda que viciada.
Isso porque, mesmo diante da nulidade, estão presentes os requisitos característicos de um contrato de empréstimo consignado, dentro da modalidade efetivamente desejada pela consumidor. Dessa forma, definiu a Juíza, impõe-se a aplicação da regra do art. 170 do Código Civil, com o objetivo de preservar os efeitos úteis da relação jurídica, convertendo o negócio inválido — o contrato de cartão de crédito consignado — em contrato de mútuo comum, de modo a refletir a verdadeira intenção das partes e evitar o enriquecimento sem causa.
A sentença, proferida nos autos do processo nº 0508314-47.2024.8.04.0001, destacou que, embora o contrato tenha se revelado inválido por ausência de informação clara e objetiva quanto à sua real natureza — contrariando os parâmetros fixados pelo Tribunal de Justiça do Amazonas no Tema 5 do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) —, a autora acreditava ter contratado um mútuo convencional com desconto em folha, e não um produto financeiro com amortização mínima obrigatória e encargos rotativos como o cartão de crédito consignado.
“A conversão impõe-se como forma de observar detidamente a vontade declarada pelo consumidor”, pontuou a magistrada.
Além de converter o pacto em mútuo comum, a juíza reconheceu a inexistência de débito em valor superior ao necessário para quitação do numerário emprestado e determinou a restituição em dobro de eventuais quantias pagas a maior, conforme prevê o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. A decisão também fixou a forma de apuração do saldo devedor ou credor: levando-se em conta as taxas e condições praticadas à época da contratação, com compensações entre os valores já pagos e aqueles eventualmente devidos, respeitando a margem consignável da autora.
Em decorrência da conduta abusiva da instituição financeira, que não apresentou informações claras e suficientes sobre a operação, a sentença também impôs condenação por danos morais, fixando o valor da reparação em R$ 3.000,00. A juíza destacou que a violação ao dever de informação, aliada à vantagem excessiva imposta à consumidora, gera sentimento de impotência, frustração e ludibrio, sendo legítima a compensação extrapatrimonial, com função pedagógica e preventiva.
A decisão se alinha ao entendimento consolidado do TJAM sobre contratos de cartão de crédito consignado, reafirmando que, na ausência de informação adequada, clara e transparente, deve-se presumir o vício de consentimento e aplicar a conversão do negócio jurídico como forma de proteger a boa-fé objetiva e a função social dos contratos.
Processo n. 0508314-47.2024.8.04.0001