“Todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente da culpa.“
Com citação de Sérgio Cavalieri Filho, referência nacional em responsabilidade civil, a juíza Naia Moreira Yamamura, da Comarca de Itacoatiara (AM), condenou solidariamente a Gol Linhas Aéreas e a agência Vai Voando Viagens Ltda a indenizar uma família em R$ 15 mil por danos morais, após sucessivas falhas na prestação do serviço de transporte aéreo.
A magistrada reconheceu que uma das passageiras foi impedida de embarcar de Manaus com destino a Curitiba, por erro no preenchimento de seu nome no bilhete eletrônico emitido pela agência. O equívoco impediu a autora de embarcar com seu marido e sua filha menor de idade, o que gerou, segundo a sentença, um desdobramento de transtornos agravados pela ausência de suporte adequado por parte da companhia aérea.
Após o erro, a agência enviou por pix o valor de R$ 2.493,07 para que a autora comprasse nova passagem no mesmo voo. No entanto, a passagem foi emitida com destino final equivocado (Florianópolis ao invés de Curitiba), o que obrigou a consumidora a permanecer no Aeroporto de Guarulhos enquanto o marido e a filha seguiram viagem. A Gol apenas a realocou para novo voo no dia seguinte, sem prestar assistência material, como traslado ou hospedagem, conforme exige a Resolução nº 400/2016 da ANAC.
Cadeia de consumo e responsabilidade solidária
As rés alegaram ilegitimidade passiva, cada qual responsabilizando a outra pela falha. Contudo, a juíza rejeitou as preliminares com base na teoria da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor (art. 14 do CDC) e na teoria do risco do empreendimento (art. 927 do Código Civil). Ambas se beneficiam economicamente da atividade e, por isso, devem responder pelos danos dela decorrentes, definiu a Juíza.
“Todos os participantes da cadeia produtiva respondem, solidariamente, pela falha na prestação dos serviços”, afirmou a magistrada, que destacou que, mesmo após o erro, nenhuma das empresas tomou providências eficazes para minimizar os danos causados à consumidora e sua família.
Dano moral in re ipsa
Na análise do mérito, a sentença reconheceu que os fatos narrados configuram dano moral in re ipsa, ou seja, presumido diante da violação de direitos da personalidade — como o direito à dignidade, ao planejamento familiar e à tranquilidade da viagem. A decisão observou, ainda, o critério bifásico de fixação do quantum indenizatório, estabelecendo o valor de R$ 5 mil para cada autor (a mãe, o pai e a filha), totalizando R$ 15 mil.
A juíza também enfatizou que as empresas não comprovaram ter oferecido as alternativas previstas pela ANAC para passageiros em casos de atraso ou reacomodação, especialmente quando há pernoite, o que reforçou a caracterização da falha na prestação do serviço.
Responsabilidade civil no transporte aéreo
A sentença reflete entendimento consolidado nos tribunais pátrios quanto à responsabilidade das companhias aéreas e agências de turismo por falhas na emissão de passagens, atrasos e assistência deficiente. Ao aplicar precedentes dos Tribunais de Justiça do Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a decisão reafirma que a boa-fé objetiva e a confiança legítima do consumidor são princípios centrais na relação contratual de transporte aéreo.
A condenação solidária da Gol e da Vai Voando evidencia que lucro e risco caminham juntos no mercado de consumo. O fornecedor que opta por atuar no setor deve assumir os ônus da atividade — inclusive aqueles causados por parceiros comerciais —, garantindo a integridade da experiência do consumidor e o respeito à legislação consumerista.
Processo 0606292-89.2024.8.04.4700