Cláusulas contratuais que desequilibram a relação entre consumidor e fornecedor, ao preverem prorrogações unilaterais de prazo ou penalidades excessivas, violam os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio contratual. À luz do Código de Defesa do Consumidor, tais disposições são consideradas nulas de pleno direito, uma vez que impõem ônus desproporcional à parte vulnerável da relação jurídica.
Com base nessa premissas jurídicas e nos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da função social dos contratos, o Juiz Diógenes Vidal Pessoa Neto, da Vara Cível, declarou nulas de pleno direito disposições contratuais que permitiam prorrogação excessiva do prazo de entrega de imóvel e impunham penalidade desproporcional ao consumidor, autor do pedido judicial, num caso de atraso na entrega do imóvel.
A decisão considerou que algumas cláusulas contratuais depunham contra os direitos do consumidor, pois violavam dispositivos expressos do CDC por imporem desvantagem exagerada à parte vulnerável da relação jurídica examinada.
A ação foi proposta pelo autor em face da empresa A. Martins Construções Ltda., em razão do atraso na entrega de unidade imobiliária adquirida em 2007 e de outras obrigações não cumpridas pela construtora, como a conclusão da área de lazer do empreendimento.
No mérito, o juiz Diógenes Vidal Pessoa Neto concluiu que a previsão de prorrogação do prazo para a conclusão da obra por até 180 dias úteis, com possibilidade de extensão por eventos previsíveis — como chuvas, greves, exigências administrativas e inadimplemento de terceiros — constitui prática abusiva e incompatível com o risco do negócio, que deve ser suportado pelo fornecedor, nos termos do art. 14 do CDC.
Outro ponto central da decisão foi a declaração de nulidade da cláusula que previa a retenção de até 80% dos valores pagos pelo consumidor em caso de rescisão contratual. Para o magistrado, a penalidade imposta ao consumidor era desproporcional, sobretudo porque o contrato não previa sanção equivalente à fornecedora em caso de inadimplemento por atraso.
Essa assimetria foi considerada violadora do princípio da equivalência material e da função social do contrato, atraindo a incidência do art. 51 do CDC, que estabelece a nulidade de cláusulas abusivas independentemente de demonstração de prejuízo específico.
Além da declaração de nulidade das cláusulas, a sentença reconheceu o atraso de 33 meses na entrega do imóvel, inicialmente prometido para dezembro de 2007, mas efetivamente entregue apenas em setembro de 2010. Com base nos arts. 389, 395 e 402 do Código Civil e em jurisprudência consolidada do STJ e TJAM, o juiz fixou a indenização por lucros cessantes em 0,5% do valor do imóvel por mês de atraso, totalizando R$ 198 mil, valor que será corrigido monetariamente e acrescido de juros legais.
O Juízo também condenou a construtora ao pagamento de multa compensatória no valor de R$ 15 mil, em razão da não entrega da área de lazer, parte integrante do objeto do contrato, conforme o memorial descritivo do empreendimento. De acordo com a sentença, a frustração da legítima expectativa do consumidor quanto ao uso pleno das áreas comuns caracteriza inadimplemento parcial do contrato e enseja reparação integral.
Por fim, a decisão determinou o recálculo do saldo devedor do contrato com congelamento entre as datas previstas para entrega e efetiva disponibilização do imóvel, afastando a incidência de juros e correção nesse período, e autorizou a restituição ou compensação dos valores pagos indevidamente.
A condenação incluiu ainda o pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor do proveito econômico. A sentença foi publicada neste mês e está sujeita a recurso.
Processo n. 0617978-62.2014.8.04.0001