Amazonas deve pagar por serviços prestados que decorram de contratos verbais

Amazonas deve pagar por serviços prestados que decorram de contratos verbais

Em disputa entre o Estado e uma empresa prestadora de serviços de tecnologia, o desembargador Abraham Peixoto Campos Filho, do Tribunal de Justiça do Amazonas, fixou como parâmetro de julgamento que, no caso de colisão com a regra de licitações que veda o contrato verbal com a administração pública, deve-se ponderar, concomitantemente, que não é permitido que a administração se locuplete de serviços que não foram formalmente contratados, e que podem ser cobrados pelo prestador, mormente porque houve aproveitamento pelo Estado.  

O Estado inaugurou uma ação de obrigação de fazer contra a empresa no juízo fazendário, pedindo que a prestadora continuasse a cumprir procedimentos de manutenção do Sistema Próton, utilizado na Susam. A empresa opôs reconvenção, e de ré, se transformou em autora, fazendo uma cobrança de R$ 2.965 milhões, em razão dos serviços de hospedagem e manutenção desse sistema. O Estado findou condenado a esse pagamento. 

Não satisfeito, o Estado apelou, e um dos fundamentos do recurso foi exatamente o de que não houve o contrato de hospedagem decorrente do contrato de licença e uso e de manutenção do sistema. A empresa demonstrou que o órgão beneficiado não tinha estrutura para a hospedagem do sistema ao qual se incumbiu de implementar.

Tendo o Estado consentido com essa hospedagem, houve contrato verbal, porque o Estado anuiu e se beneficiou da prestação de serviços. Logo, importa a contraprestação, com o desembolso de valores inerentes à tomada de serviços que se concluiu informalmente contratados. 

O Sistema Próton corresponde ao uso de um Software, com licença vitalícia, que proporciona a digitalização de documentos e processamento do Sistema de Gestão Eletrônico e Documentos, ao qual a empresa se propôs, após regular contrato a instalar na Susam. O impasse jurídico consistiu em que o Estado se negou a pagar a hospedagem desse sistema, que a empresa teve que manter. 

Como arrematou o acórdão, a Susam deveria ter disponibilizado a estrutura para recepcionar o sistema, com sua hospedagem, mas não sobrevieram as diligências administrativas para a consecução do ato. Se a empresa após o implemento, hospedou e manteve o sistema em favor do Estado, ainda que essa hospedagem não tenha sido formalizada no contrato,  é justo que tenha a contra prestação, para não se permitir que o Estado enriqueça ilicitamente. 

Processo nº 0607162-79.2018.8.04.0001

Leia o acórdão:

Apelação Cível / Regularidade Formal. Relator(a): Abraham Peixoto Campos Filho Comarca: Manaus Órgão julgador: Terceira Câmara Cível Data do julgamento: 20/03/2023
Data de publicação: 20/03/2023 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO VERBAL. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. BOA-FÉ DA EMPRESA CONTRATADA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. – Discute-se o dever do Estado do Amazonas em pagar os serviços prestados pela Apelada sem lastro contratual, referente à manutenção do “sistema próton” e a sua hospedagem na estrutura física da empresa; – Referente à contratação verbal, o parágrafo único do art. 60 Lei n.º 8.666/93 estabelece que é nulo o contrato verbal firmado com administração pública, contudo, o Superior Tribunal de Justiça, observando a regra da vedação do enriquecimento sem causa e do princípio da boa-fé objetiva, entende que o aludido dispositivo deve ser relativizado para que este não sirva de subterfúgio para o Estado se eximir de suas obrigações oriundas de contratos celebrados ao arrepio da lei de licitações. Em síntese, firmou-se o entendimento de que não pode o ente público se beneficiar de sua própria torpeza; – No caso, era incumbência da própria Secretaria Estadual de Saúde ter a estrutura física para receber o sistema adquirido, não tendo a Apelada qualquer culpa pela desídia daquele órgão em não possibilitar, de modo efetivo, o cumprimento do contrato. Ademais, inexiste no contrato firmado pelas partes qualquer cláusula quanto à deficiência da infraestrutura tecnológica do referido órgão em receber o sistema adquirido e da necessidade de sua hospedagem temporária nos servidores da empresa. A oferta de hospedagem na rede Ikhon foi uma saída para superar o entrave criado pela administração pública e dar efetividade aos termos contratuais. Assim, mesmo tendo a avença surgido de modo verbal, resta claro a boa-fé da Apelada em buscar a imediata satisfação do contrato administrativo, o que indubitavelmente também era de interesse público, posto que o software adquirido pelo Executivo amazonense traria maior agilidade aos procedimentos internos da SUSAM; – Além disso, verifica-se nos documentos juntados aos autos que a empresa buscou regularizar os serviços prestados com o ente público por meio de várias propostas contratuais, as quais foram ignoradas pelo Estado do Amazonas. Com efeito, a própria assessoria jurídica da SUSAM, por meio do Parecer n.º 2995/2017 – ASJUR, atesta que a administração pública tem o dever de pagar pelos serviços prestados pela Apelada, já que se aproveitou deles, bem como pelo fato da empresa contratada ter atuado de boa-fé, porquanto serviço fora prestado com a anuência da Secretaria; – Recurso conhecido e não provido.

 

 

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