Para psicanalistas, ataque do 8/1 foi movido por revolução imaginária

Para psicanalistas, ataque do 8/1 foi movido por revolução imaginária

As pessoas que participaram da invasão e depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e da sede do Supremo Tribunal Federal na tarde dia 8 de janeiro de 2023, um domingo, se mobilizaram por uma revolução fantasiosa e anacrônica. A avaliação é de Tales Ab´Sáber, psicólogo, escritor, cineasta e professor de filosofia da psicanálise no curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Ele salienta que a manifestação violenta aconteceu “quando [o ex-presidente Jair] Bolsonaro já havia fugido do Brasil [em 30 de dezembro], quando já havia se encerrado propriamente a trama estratégica do golpe que envolvia setores das Forças Armadas brasileiras.”

Dez dias depois da partida de Bolsonaro e já com novo governo empossado, apoiadores do ex-presidente que estavam em Brasília destruíram parte de cada um dos três principais prédios públicos da República para “tentar fazer a sua revolução imaginária quando ela já estava totalmente fora de esquadro, fora do tempo. Ela já era impossível.”

Ab´Sáber avalia que apesar de não ter base real para o golpe de Estado acontecer, a insurreição dos vândalos no 8/1 teve razões concretas.

“Todas as condições estavam dadas para o fanatismo da extrema-direita, como dizem os psicanalistas, passar ao ato. Não conseguiram mais se conter, mesmo porque eles estavam construindo esse ataque há um mês e meio, na frente dos quartéis, nas tentativas de paralisação dos caminhoneiros no Brasil inteiro. Era um movimento de fato.”

Segundo ele, “havia um plano de golpe estruturado que tinha contato com os acampamentos bolsonaristas e que alimentava a esperança no golpe.”

Essa perspectiva alimentava o espírito de “revolução” que os apoiadores do ex-presidente acreditavam estar participando.

A evasão do então mandatário indica que a “parte estratégica militar do golpe foi abandonada, mas não caiu a dimensão popular alimentada pelo senhor do golpe, futuro ditador Jair Bolsonaro.”

A ausência e omissão do ex-presidente favoreceram o caos. “O Bolsonaro contribuiu para isso, ao não desmobilizar essa gente”, analisa Ab´Sáber, em entrevista ao programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, com participação da Agência Brasil.

Conteúdo messiânico

Na ótica do psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP, a imaginação dos bolsonaristas foi alimentada por velhos fantasmas, como o risco do comunismo, por “negacionismo histórico” e por “falta de acurácia política”. Ele também avalia que a mobilização anterior à quebradeira na Praça dos Três Poderes deixou no ar a possibilidade de que um inédito ato terrorista pudesse acontecer.

“Na hora [da transmissão ao vivo das invasões pela TV], me lembrei de uma paciente que, no dia 11 de setembro [de 2001], quando o avião destruiu as Torres Gêmeas [em Nova York], ela dizia assim: ‘engraçado, porque dá uma sensação de ufa, enfim, aconteceu.’ Como se isso já estivesse acontecendo no nosso imaginário, como se a gente tivesse uma expectativa de que algo parecido fosse ocorrer, a partir do conflito que estava ali posto e instaurado, a partir de uma narrativa do golpe, que era ostensiva”, disse ao programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, com participação da Agência Brasil.

Dunker esteve em Brasília uma semana antes da intentona bolsonarista para acompanhar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antes da posse, ele visitou o acampamento de apoiadores do ex-presidente que ficava no Setor Militar Urbano, a 9,3 quilômetros da Praça dos Três Poderes.

“A gente passou pelos acampamentos, fizemos uma pequena entrada, falamos com algumas pessoas que estavam ali e percebíamos que havia um déficit explícito de segurança e de policiamento.”

O psicanalista rememora ainda que conversou com acampados que tinham “falas alteradas” e que “havia um conteúdo messiânico e exacerbado das pessoas que estavam reunidas.” Ele descreve ter encontrado pessoas que “estavam em situação de desespero total”, “muitas solitárias, sem família” e “muitas endividadas”.

Gente para quem a possibilidade de ruptura poderia ser tentadora. “Isso engaja pessoas errantes. Pessoas com fragilidades mentais óbvias, de tipo delirantes, e que encontraram ali uma certa unidade.”

Tales Ab´Sáber considera fundamental “seguir o rito jurídico”, pois “as pessoas precisam saber que a lei diz que tentativa de golpe é crime.” Para ele, “ou nós assentamos a nossa constituição psiquicamente, subjetivamente e afetivamente, ou nós a destituímos como em outros tempos.”

A Agência Brasil entrou em contato com a defesa de Jair Bolsonaro para manifestação, mas não recebeu resposta até o momento. O espaço segue aberto.

*Com entrevistas de Ana Passos, Marieta Cazarré, Patrícia Araújo e Thiago Padovan, da TV Brasil

Com informações da Agência Brasil

Leia mais

Simonetti propõe e OAB aprova inclusão de ex-juiz da Lava Jato no cadastro de violadores de prerrogativas

A OAB Nacional, presidida pelo amazonense Beto Simonetti, aprovou por unanimidade, nesta segunda-feira (16/6), a instauração de procedimento para inclusão do ex-juiz federal Marcelo...

Acordo garante permanência de quilombolas no Parque Nacional do Jaú com preservação ambiental

Acordo Judicial foi firmado entre o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Nacional de...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

MEC paga até R$ 864 por dia a certificador do Enem e da PND

Os servidores públicos do Poder Executivo federal e os professores das redes públicas de ensino estaduais e municipais, efetivos...

TRF reconhece legalidade de edital da Aeronáutica que rejeita diplomas de tecnólogo

A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, negou provimento à apelação do Sindicato...

Tomadora de serviços que não fiscalizou empresa contratada responderá por dívidas trabalhistas

A 16ª Turma do TRT da 2ª Região manteve responsabilidade subsidiária de empresa tomadora de serviços (2ª ré) por...

STJ: Peça publicitária com grafite em segundo plano não configura violação de direito autoral

​A exibição indireta e acessória, em peça publicitária, de um grafite feito em espaço público, sem a autorização prévia...