Empresas são condenadas após desaparecimento de trabalhador na floresta amazônica

Empresas são condenadas após desaparecimento de trabalhador na floresta amazônica

A Justiça do Trabalho em Mato Grosso condenou uma cooperativa agroindustrial e um fazendeiro ao pagamento de R$ 150 mil por danos morais à filha de um operador de trator desaparecido em serviço na região amazônica do Pará. A indenização leva em conta o sofrimento da criança, que tinha seis anos na época, e a omissão dos empregadores na apuração do caso.

A sentença, proferida pela 2ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, reconheceu que o trabalhador atuava em condições de risco extremo e que a empresa priorizou a recuperação do trator supostamente furtado, ignorando o sumiço do empregado. A decisão destacou ainda a ausência de solidariedade com a família e a falta de colaboração com as autoridades, fatores que contribuíram para o valor da indenização.

As condenações foram mantidas pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT) que determinou, por unanimidade, o envio do caso à Unidade de Monitoramento e Fiscalização de Decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos do próprio Tribunal.

O desaparecimento ocorreu em 2003, em Novo Progresso (PA), região marcada por extração ilegal de madeira, conflitos fundiários e violência. O inquérito policial desapareceu da delegacia local, e a família ficou por quase duas décadas sem respostas. A declaração de morte presumida só veio em 2021, em ação na Justiça Comum, possibilitando que a filha acionasse a Justiça do Trabalho.

Ao procurar a Justiça do Trabalho, em Tangará da Serra, a filha pediu o reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador desaparecido e a responsabilização dos empregadores. Ao concluir pelo vínculo, a juíza observou que ficou demonstrado que o operador atuava regularmente para a cooperativa, morava em alojamento e prestava serviços na fazenda do segundo réu — último local onde foi visto com vida.

A própria cooperativa registrou boletim de ocorrência na época, acusando o trabalhador de furtar o trator que operava. O inquérito desapareceu da delegacia, e um relatório do Ministério Público, de 2005, apontou que o trabalhador morreu em serviço, sob falsa acusação de furto, sem que nova investigação fosse conduzida. “A empresa pagou recompensa para quem encontrasse o trator, mas não demonstrou a mesma preocupação com o paradeiro do trabalhador”, registrou a juíza do trabalho que julgou a ação iniciada pela filha do operador de máquinas. Testemunhas e a Promotoria paraense relataram que casos de desaparecimentos e acidentes eram recorrentes na região onde a cooperativa atuava.

A sentença ressaltou que o trabalhador estava exposto a perigos evidentes: mata fechada, invasão de terras, extração ilegal de madeira e conflitos fundiários. A juíza destacou que a Amazônia Legal é historicamente afetada por atividades ilícitas e violação de direitos humanos, o que exigiria ainda a adoção de medidas urgentes de proteção aos trabalhadores. Ainda assim, a empresa tratou o desaparecimento como crime, ignorando a possibilidade de assassinato ou acidente de trabalho. “A boa-fé contratual exigia que a empresa buscasse o trabalhador, colaborasse com autoridades e oferecesse apoio à família, mas nada disso foi feito”, enfatizou a juíza.

Diante das evidências, a magistrada concluiu pela responsabilidade objetiva dos empregadores, com base na teoria do risco, considerando que o trabalho era desenvolvido em ambiente de perigo acentuado.

Além da reparação por danos morais, a filha do trabalhador garantiu o direito à pensão mensal correspondente a dois terços da última remuneração do pai, desde a data do desaparecimento até 2020 — ano em que ela completou 23 anos, idade presumida para conclusão do ensino superior. O valor será pago em parcela única.

A Justiça também reconheceu a responsabilidade solidária entre a cooperativa e o proprietário da fazenda, uma vez que o trabalhador prestava serviços para ambos no momento do desaparecimento.

Decisão do Tribunal

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), por maioria, manteve a sentença. A relatora, desembargadora Eleonora Lacerda, também concluiu pela aplicação da responsabilidade objetiva, destacando o ambiente de alto risco, com registro do desaparecimento de outros trabalhadores e a ausência de proteção aos empregados.

Durante o julgamento, concluiu-se que a viúva também foi atingida, já que não foi indenizada em razão da prescrição, situação que só não atingiu a filha porque era menor de idade quando o pai desapareceu.As discussões apontaram ainda que toda a sociedade foi atingida, incluindo as famílias que não conseguiram esclarecer o desaparecimento de outros trabalhadores.

Diante da gravidade das denúncias, a 2ª Turma aprovou, por unanimidade, o envio do caso à Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos do TRT/MT, que poderá avaliar eventual denúncia à Corte Interamericana.

Recurso ao TST

Após a condenação ser mantida em segunda instância, os empregadores recorreram ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). No entanto, o recurso de revista teve o seguimento negado pela presidente do TRT/MT, desembargadora Adenir Carruesco, que entendeu não haver violação direta às normas legais nem fundamentos suficientes para envio à instância superior.

A defesa apresentou agravo contra essa decisão e o caso aguarda análise no TST, em Brasília.

PJe 0000238-61.2021.5.23.0052

Com informações do TRT-23

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