Por quatro votos a um, o Conselho Permanente de Justiça da 3ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo acolheu a tese defensiva de aplicação do princípio da derrogabilidade da norma para absolver um cabo da Polícia Militar.
O réu foi processado por extraviar uma pistola Glock calibre .40 da corporação, carregada com 15 cartuchos, durante o atendimento de uma ocorrência de roubo em Guarujá, que resultou na prisão em flagrante de um homem. O episódio aconteceu em 6 de novembro de 2022, sendo o armamento recuperado seis dias depois sem as munições.
Em sua sustentação oral na audiência de julgamento, o advogado Rodrigo Barboza Delgado reconheceu que o cabo perdeu a arma e que o Código Penal Militar pune o extravio. Porém, ressalvou que, no caso concreto, o mais justo seria a absolvição.
“O Supremo Tribunal Federal já vem utilizando essa tese em casos específicos, ou seja, existe o tipo penal, mas as circunstâncias e a dinâmica do fato excluem a sua aplicabilidade. E aqui é um caso de justiça. É o caso de se aplicar a derrogabilidade da norma”, defendeu Delgado.
O juiz de Direito Marcos Fernando Theodoro Pinheiro presidiu a sessão e votou pela absolvição. Segundo ele, do ponto de vista objetivo, os fatos se enquadram ao tipo penal. No entanto, na situação sob análise, ele não verificou que o acusado agiu com culpa.
Ao relevar o extravio da pistola imputado ao cabo, o julgador observou que ele corria com um fuzil, logo após desembarcar da viatura em perseguição ao ladrão. Quanto ao fato de a arma de menor porte estar destravada no coldre, o magistrado ponderou que isso decorreu da necessidade de “saque rápido”, se necessário fosse naquelas circunstâncias.
Pinheiro votou pela absolvição com fundamento na alínea ‘b’ do artigo 439 do Código de Processo Penal Militar – “não constituir o fato infração penal” –, de acordo com o que postulou a defesa.
O major Fernando Kazuo Nagatomi, a capitã Larissa Fernanda Marcucci Sanches e o capitão Pedro Henrique Almeida Altomare também compõem o Conselho Permanente de Justiça e votaram pela absolvição com base na mesma fundamentação. O voto vencido foi o do primeiro-tenente Hugo Wanderley de Alencar.
O oficial divergente votou conforme o pedido do promotor Marcel Del Bianco Cestaro, que pretendia a condenação do cabo a seis meses de detenção, em regime aberto, com a suspensão condicional da pena por dois anos.
Entenda o caso
O representante da Promotoria de Justiça Militar do Ministério Público denunciou o policial porque ele “agiu com negligência na guarda de seu armamento, em razão de portá-lo em um coldre que estava com o fiel quebrado e sem o dispositivo de travamento”. Fiel é uma espécie de cordão que mantém a arma presa ao corpo do usuário.
Essa conduta, segundo Cestaro, está incursa no artigo 265 combinado com o artigo 266, ambos do Código Penal Militar. A primeira norma prevê pena de reclusão de até três anos para quem extravia armamento e munições, entre outros bens militares.
Na hipótese de culpa, nos termos do artigo 266, a pena é de seis meses a dois anos. Ao pleitear a condenação do cabo, o promotor destacou que a sua negligência antecedeu o extravio. O juiz togado rebateu: “Não verifico a culpa, pois a ocorrência demandava uma atitude especializada. O acusado ficou com sua atenção voltada para o perigo”.
O julgador externou essa conclusão após o advogado explicar que o fiel quebrou durante ocorrência na véspera. “Na manhã seguinte, domingo, sem expediente administrativo, não houve tempo hábil para a troca do equipamento”, detalhou o defensor.
“Exigir uma conduta diversa do cabo é dar excesso ao formalismo e não reconhecer a postura aguerrida e corajosa do policial. É questão de fato também que não houve prejuízo ao Estado, uma vez que o armamento foi encontrado, sendo inclusive descontado do pagamento do policial o valor referente à arma”, argumentou Delgado.
A pistola foi localizada em uma operação da PM na Vila Baiana, mesma comunidade onde ela havia sido extraviada. A arma estava em um saco plástico, não havendo ninguém nos arredores. A região é dominada pelo Primeiro Comando da Capital.
Processo 0800060-60.2023.9.26.0030
Com informações do Conjur