A multa cominatória (astreintes) não pode ser reduzida retroativamente após o seu vencimento, admitindo revisão apenas das parcelas futuras, conforme dispõe o artigo 537, §1º, do Código de Processo Civil (CPC/2015).
A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas reformou decisão que havia reduzido, de forma retroativa, o valor de multa cominatória aplicada pelo descumprimento de ordem judicial. Por maioria, o colegiado seguiu o voto divergente do desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, para reconhecer a impossibilidade de revisão de astreintes já vencidas, em observância ao artigo 537, §1º, do Código de Processo Civil de 2015 e à tese consolidada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.
O caso teve origem em ação anulatória com tutela de urgência ajuizada por uma empresa do setor de transporte, que obteve sentença favorável determinando a anulação de autos de infração de trânsito no prazo de dez dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. A obrigação, contudo, foi cumprida com atraso superior a um ano, fazendo com que o valor total das astreintes alcançasse R$ 444 mil. Na fase de cumprimento de sentença, o juízo de origem reduziu o montante para R$ 25 mil, por considerá-lo desproporcional em relação ao valor da obrigação principal.
A decisão foi reformada no Tribunal, sob o fundamento de que a multa cominatória não tem natureza indenizatória, mas coercitiva, e que sua revisão só é possível em relação às parcelas futuras, não às já consolidadas. Em seu voto, o desembargador Pascarelli destacou que “a manutenção do valor vencido da multa preserva o caráter coercitivo e evita o estímulo à resistência do devedor, assegurando a autoridade e a efetividade das decisões judiciais”.
A relatora, desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo, ficou vencida. Para ela, a redução seria necessária diante da evidente desproporção entre a multa e o valor da obrigação, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. A divergência, contudo, prevaleceu, fixando tese alinhada à jurisprudência recente do STJ (EAREsp 1.766.665/RS, Corte Especial, rel. min. Francisco Falcão, j. 03/04/2024), que veda a modificação retroativa das astreintes vencidas, por implicar violação à preclusão pro judicato e esvaziamento da função coercitiva do instituto.
Com a decisão, o TJAM reforça o entendimento de que a multa cominatória constitui instrumento de concretização da tutela jurisdicional, destinada a compelir o cumprimento das ordens judiciais — e não a ser reduzida quando o inadimplemento prolongado resulta de resistência injustificada da parte obrigada.
Recurso: 4005280-56.2024.8.04.0000

