O reconhecimento de suspeitos feito sem observância rigorosa das cautelas legais, especialmente quando contaminado por falsas memórias e desacompanhado de provas independentes, não é suficiente para sustentar condenação penal.
Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus para absolver um homem condenado por roubo no Rio de Janeiro, diante da fragilidade do conjunto probatório.
A decisão foi proferida no HC 1.032.990/RJ, sob relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, e teve votação unânime.
Reconhecimento fotográfico serviu de base à condenação
O paciente havia sido condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a mais de seis anos de reclusão, em regime fechado, com fundamento essencialmente em reconhecimentos realizados por testemunhas, tanto na fase policial quanto em juízo.
Segundo os autos, uma funcionária do estabelecimento assaltado afirmou ter identificado o autor do crime a partir de fotografias exibidas na delegacia, associando-o ainda a imagens de um roubo ocorrido em outro local no dia anterior. A vítima de um segundo crime, que teve o veículo subtraído durante a fuga dos assaltantes, também realizou reconhecimento, inicialmente de forma hesitante na fase policial, confirmando-o apenas posteriormente em juízo.
Imagens equivocadas e formação de falsas memórias
Ao examinar o caso, o relator destacou que as imagens que fundamentaram o reconhecimento inicial não correspondiam ao réu, mas a terceiro posteriormente identificado em ação de produção antecipada de prova. Essa circunstância, segundo o voto, invalida a premissa que sustentou os reconhecimentos subsequentes, inclusive o judicial.
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, a exposição prévia das testemunhas a fotografias e filmagens equivocadas gerou falsas memórias, contaminando o ato de reconhecimento e retirando sua confiabilidade. O voto ressaltou que o reconhecimento judicial não pode ser considerado autônomo quando há forte possibilidade de indução prévia.
Ausência de provas independentes
A decisão também destacou que não houve prisão em flagrante, nenhuma apreensão de objetos do crime, nem realização de perícia técnica, como coleta de impressões digitais, apesar da recuperação do veículo subtraído.
Além disso, o réu apresentou versão consistente dos fatos, afirmando estar em compromissos familiares e profissionais nos dias dos crimes, narrativa que foi confirmada por testemunhas defensivas, ainda que sem comprovação documental robusta.
Para o colegiado, a soma desses fatores — reconhecimento viciado, inexistência de provas materiais e versão defensiva plausível — gera, no mínimo, dúvida razoável quanto à autoria delitiva.
In dubio pro reo
Com base nesse contexto, a Sexta Turma concluiu pela existência de constrangimento ilegal, aplicando o princípio do in dubio pro reo para absolver o paciente, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
O julgamento reafirma a jurisprudência do STJ no sentido de que o reconhecimento de pessoas, sobretudo o fotográfico, exige rigor procedimental e não pode, isoladamente ou de forma contaminada, sustentar condenação penal.
