Gratificação por acervo paga a promotores expõe no STF guerra interna no sistema de Justiça

Gratificação por acervo paga a promotores expõe no STF guerra interna no sistema de Justiça

Associação Nacional dos Membros do Ministério Público pede ingresso como amicus curiae e defende a validade dos atos do CNMP que instituíram a compensação por assunção de acervo, enquanto promotores aposentados veem violação ao teto constitucional e desvio da finalidade remuneratória.

O Supremo Tribunal Federal tornou-se palco de uma complexa disputa judicial que expõe divisões dentro do próprio sistema de Justiça sobre os benefícios concedidos a membros do Ministério Público e da magistratura sob o título de “compensação por assunção de acervo”. O caso, em análise na Ação Originária nº 2.958/DF, é relatado pelo ministro Edson Fachin e tem como autor o promotor de Justiça aposentado Jairo Edward De Luca, do Ministério Público de São Paulo (MPSP).

Ação popular contra o próprio benefício

De Luca ajuizou ação popular contra a União e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pedindo a anulação da Recomendação nº 91/2022 e da Resolução nº 253/2022, que serviram de base para o pagamento da chamada licença-compensatória por acúmulo de processos. De Luca pediu a suspensão do seu próprio benefício, até que o STF se pronuncie sobre a legalidade do mecanismo.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) apresentaram requerimentos ao STF para atuar como amicus curiae, pedindo a extinção da ação e a redistribuição do processo ao ministro Cristiano Zanin, relator da AO 2.891/DF, que discutiu tema semelhante.

De Luca, no entanto, aditou a petição inicial e sustenta que os atos impugnados são administrativos, não legislativos, e, portanto, podem ser questionados por ação popular, conforme a Lei nº 4.717/1965, recepcionada pelo art. 5º, LXXIII, da Constituição.

Ele afirma que a compensação viola os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e solidariedade, criando uma “desigualdade institucionalizada” entre membros do sistema de Justiça e o restante do funcionalismo público, “onde professores da rede básica ganham menos que o valor de uma única licença compensatória”.

Entidades pedem extinção da ação

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) apresentaram requerimentos ao STF para atuar como amicus curiae, pedindo a extinção da ação e a redistribuição do processo. As entidades alegam que as resoluções do CNMP e do CNJ têm força normativa primária, equivalente à lei, e, portanto, só poderiam ser impugnadas por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o que tornaria a via popular inadequada. Sustentam também a litispendência com outras ações coletivas e pedem que o processo seja julgado extinto sem análise de mérito.

Juíza aposentada entra como assistente e amplia o escopo do caso

A juíza do Trabalho aposentada Esmeralda Simões Martinez requereu ingresso como assistente litisconsorcial, apoiando os argumentos do promotor e refutando as manifestações das associações de classe. Em sua petição, ela acrescenta um novo fundamento jurídico: o de que a Resolução CNMP nº 253/2022 teria permitido que os próprios conselheiros do órgão se concedessem vantagens remuneratórias disfarçadas de indenizações, subvertendo o regime constitucional de subsídios e omitindo recolhimentos tributários e previdenciários.

Martinez argumenta que a prática “desorganiza a hierarquia remuneratória da República”, levando agentes públicos de controle a receber mais que os próprios ministros do STF. Com base nisso, pede tutela de urgência para suspender todos os pagamentos derivados das normas do CNMP e a restituição dos valores já pagos aos cofres públicos.

Autor reage e pede que Fachin mantenha a relatoria

Em resposta, Jairo De Luca pediu que o processo permaneça sob a relatoria de Edson Fachin, defendendo que as ações são distintas. Segundo ele, a AO 2.891/DF — citada pela Conamp e julgada por Zanin — discute a Resolução CNMP nº 256/2023, enquanto sua ação trata de atos anteriores, Recomendação nº 91/2022 e Resolução nº 253/2022, o que afastaria qualquer prevenção.

O autor sustenta que sua ação não busca o controle concentrado de constitucionalidade, mas a declaração de nulidade de atos administrativos que criaram benefícios sem base legal. Ele ressalta que o STF tem competência para julgar causas envolvendo atos do CNMP e do CNJ, conforme o art. 102, I, “r”, da Constituição Federal, e que “somente o recebimento da inicial permitirá à sociedade conhecer a estrutura legal que sustenta os benefícios questionados”.

Um embate sobre limites institucionais e desigualdade

O caso expõe um embate institucional raro: de um lado, membros aposentados do próprio sistema de Justiça questionando os benefícios que os favorecem; de outro, entidades representativas do Ministério Público defendendo a constitucionalidade das compensações e a legitimidade do CNMP para instituí-las.

Além do debate jurídico sobre competência e natureza dos atos normativos, a ação popular suscita questões éticas e orçamentárias de grande alcance. O resultado poderá influenciar diretamente a política de benefícios em vigor não apenas no Ministério Público, mas também na magistratura e nos tribunais de contas, que aplicam modelos similares de compensação.

A ação está sob análise do ministro Edson Fachin, que deverá decidir sobre o ingresso dos amici curiae, o pedido de assistência da juíza aposentada e a admissibilidade da ação popular. 

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