Defensoria Pública pode atuar para réu e vítima em feminicídio, decide STJ, desde que profissionais sejam distintos e haja ausência de advogado particular
A atuação simultânea da Defensoria Pública em polos opostos do processo penal, desde que realizada por defensores distintos e autônomos, não configura conflito institucional, mesmo em casos de feminicídio submetidos ao júri.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento de que a Defensoria Pública pode prestar assistência jurídica tanto à vítima quanto ao réu em processos de feminicídio, inclusive perante o tribunal do júri, desde que sejam designados profissionais distintos e haja ausência de advogado constituído pela vítima. A decisão reforça a obrigatoriedade da assistência qualificada prevista na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), mesmo em crimes julgados pelo júri popular.
O cerne da controvérsia foi levantado em recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), que contestava a atuação da Defensoria Pública como assistente da acusação em nome da mãe, do irmão e do filho da vítima de feminicídio, todos reconhecidos judicialmente como vítimas indiretas. O MPRJ sustentava que tal designação violaria o princípio da imparcialidade institucional, já que a própria Defensoria atuava também na defesa do acusado no mesmo processo.
O relator, Ministro Joel Ilan Paciornik, rejeitou a alegação de impedimento. Segundo ele, a independência funcional dos defensores públicos, prevista no §6º do artigo 4º da Lei Complementar nº 80/1994, permite que profissionais distintos atuem em lados opostos, sem configurar conflito ético ou institucional. O ministro comparou a situação à atuação de advogados privados da mesma seccional da OAB, que podem representar partes com interesses contrapostos no mesmo processo, desde que sejam profissionais diferentes.
Paciornik também destacou que os artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha impõem ao Estado o dever de oferecer assistência jurídica integral e humanizada às mulheres vítimas de violência doméstica, obrigação que se estende às suas famílias nos casos de feminicídio. Para o ministro, essa assistência deve ocorrer “em todos os atos processuais, cíveis e criminais”, o que inclui o tribunal do júri, sendo compatível com a atuação da Defensoria, salvo manifestação expressa da vítima pela contratação de advogado particular.
A Quinta Turma do STJ considerou legítima a nomeação automática da Defensoria como assistente da acusação, em caráter provisório, como forma de assegurar a proteção dos direitos da vítima enquanto não houver constituição de advogado particular.
Por estar sob segredo judicial, o número do processo não foi divulgado.