Vereador se recusa a analisar projeto LGBT e é condenado por discriminação

Vereador se recusa a analisar projeto LGBT e é condenado por discriminação

“Nenhum direito é absoluto, sendo certo que a finalidade da liberdade de expressão é a de permitir a construção da democracia, e não servir de escudo para a propagação de discursos preconceituosos contra minorias.”

A advertência é da juíza Jade Marguti Cidade, da 1ª Vara de Bertioga (SP), e fundamentou a condenação de um vereador do município pelo crime de homofobia (que teve tipificação equiparada a racismo pelo Supremo Tribunal Federal).

Na condição de segundo secretário da Câmara de Bertioga, o vereador Eduardo Pereira de Abreu (PSD) se recusou a ler projeto de lei de autoria de uma colega, voltado à promoção da cidadania de pessoas LGBTQIA+ no município. “Tá louco, não faz isso comigo não! Dar um projeto LGBT pra mim ler, não, tó, pega aí (sic)”, protestou. Em seguida, ele se retirou do recinto.

O pronunciamento ocorreu na frente de várias pessoas, em 21 de maio de 2024, e consta na gravação da sessão feita pela TV Câmara, que foi juntada aos autos. Para a juíza, não restam dúvidas acerca da veracidade e integridade dessa prova, reforçada pelos depoimentos de testemunhas.

“Evidente que ao proferir tais dizeres o réu expôs publicamente o seu preconceito e discriminação contra a população LGBTQIAPN+”.

A julgadora condenou o réu a dois anos e três meses de reclusão, no regime inicial aberto, pelo crime de racismo (artigo 20 da Lei 7.716/1989), já considerada a causa de aumento da pena quando o delito é cometido por funcionário público no exercício da função (artigo 20-B).

A magistrada também acolheu pedido do Ministério Público para impor ao vereador o pagamento de indenização por dano moral coletivo.

Para a juíza, a quantia de R$ 25 mil é adequada para satisfazer o caráter pedagógico da indenização, considerando as circunstâncias do caso (gravidade, extensão e reprovabilidade social da conduta do réu, além da sua situação econômica). O valor será destinado a fundos ou ações voltados ao enfrentamento à discriminação e/ou promoção à igualdade da população LGBTQIA+. O MP havia pleiteado R$ 50 mil.

Apesar da primariedade do vereador, a magistrada apontou a inviabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Segundo ela, eventual troca seria insuficiente à prevenção e repressão do crime, levando-se em conta que o racismo é inafiançável e imprescritível. Cabe recurso da sentença e o réu disse que apelará ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Homofobia é discurso de ódio

O vereador sustentou que agiu sob o amparo da imunidade parlamentar e negou o dolo de discriminar. Ele afirmou que recusou a leitura por conta da suposta “inconstitucionalidade material” do projeto de lei, e não em razão do seu conteúdo.

Com a ressalva de que a filmagem é clara quanto ao que foi dito e em qual contexto, a juíza disparou: “Tal alegação, respeitada a linha de defesa adotada, subestima o intelecto deste juízo.”

A magistrada destacou que a liberdade de expressão (artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal) e a imunidade parlamentar (artigo 53, caput, da CF) não validam manifestações sem relação com o exercício do mandato e/ou que atentem contra a honra de terceiros, conforme entendimento consolidado do STF.

No caso do “discurso de ódio”, segundo a julgadora, sequer é necessário usar adjetivos pejorativos ou propagar ordens explícitas de atos violentos contra o grupo que se pretende discriminar. “O discurso de ódio pode ser subliminar, velado, sutil, irônico ou dissimulado, e talvez nessa modalidade seja até mais perigoso, porque não fica necessariamente explícito, e revela-se aparentemente mais aceitável socialmente.”

Processo 1002012-02.2024.8.26.0075

Com informações do Conjur

Leia mais

TJAM reexaminará se legítima defesa de policial com morte impede reparação de danos pelo Estado

O Tribunal de Justiça do Amazonas voltará a julgar uma ação que discute se o reconhecimento de legítima defesa em processo criminal impede o...

Plano de saúde deve reembolsar despesas fora da rede credenciada em caso de urgência

Sentença do Juiz Manuel Amaro de Lima, da Vara Cível, aplica entendimento do STJ sobre reembolso integral quando o quadro clínico do paciente impede...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

TJAM reexaminará se legítima defesa de policial com morte impede reparação de danos pelo Estado

O Tribunal de Justiça do Amazonas voltará a julgar uma ação que discute se o reconhecimento de legítima defesa...

Plano de saúde deve reembolsar despesas fora da rede credenciada em caso de urgência

Sentença do Juiz Manuel Amaro de Lima, da Vara Cível, aplica entendimento do STJ sobre reembolso integral quando o...

Por demora injustificada, Estado terá de pagar abono de permanência retroativo, decide Justiça

Servidor estadual comprovou atraso de cinco anos na implantação do benefício, e juiz determinou o pagamento das parcelas atrasadas,...

Multas aplicadas pela Aneel à Amazonas Energia foram regulares, define STJ

Nem toda norma nasce da lei — e nem toda multa depende de previsão literal em estatuto legal. No...