Congelado há anos, o teto constitucional transformou-se em símbolo de moralidade que alimenta distorções no serviço público.
Por João de Holanda Farias, Advogado
O Brasil vive sob um teto constitucional de subsídios que premia a dissimulação e pune a transparência. Criado para conter abusos e preservar o equilíbrio entre os Poderes, o teto remuneratório transformou-se, com o passar dos anos, em um mecanismo de distorção institucional — um limite simbólico que todos fingem respeitar, mas que poucos, de fato, cumprem na essência.
Não é o chamado “supersalário” o verdadeiro problema — até porque, na maior parte dos casos, ele sequer é salário, mas indenização travestida de compensação. O que corrói o sistema é a hipocrisia: sabemos que o teto é insuficiente, mas se finge que basta. Nesse contexto, criam-se “auxílios”, “ajudas de custo” e indenizações travestidas de legítimas, que recompõem, por vias paralelas, o poder de compra corroído pela inflação e pelo congelamento dos subsídios.
O resultado é perverso. O teto, concebido para impor moralidade, acabou estimulando a criatividade contábil. Em vez de assegurar sobriedade, gerou um sistema de brechas disfarçadas de legítimas, mas opacas, que permite às carreiras de elite manterem seus rendimentos sem admitir o desequilíbrio estrutural que as sustenta.
Um ministro do Supremo Tribunal Federal — paradigma do teto — recebe pouco mais de R$ 46 mil brutos. Após o desconto do Imposto de Renda e da previdência, restam cerca de R$ 27 mil líquidos. Para quem ocupa o mais alto cargo do Judiciário brasileiro, com responsabilidades institucionais, deveres de representação e exigências de reserva moral, esse valor é inferior ao padrão de vida que o próprio Estado impõe a quem o serve em sua cúpula. O problema não é moral — é estrutural. O país exige excelência e entrega austeridade simbólica, e essa contradição é a origem de todos os seus paradoxos remuneratórios.
O silêncio institucional do STF diante desse cenário se converte, involuntariamente, em cumplicidade. Ao evitar discutir uma política de valorização real dos subsídios, o Supremo mantém viva a ficção de um teto que preserva a República, quando na verdade a enfraquece, ao forçar seus quadros a depender de compensações não salariais para sustentar o próprio status do cargo.
Discutir o teto não é defender privilégios — é recuperar a honestidade do debate público. A moralidade republicana não pode servir de cortina para a inviabilidade prática. A sociedade precisa compreender que a austeridade sem razoabilidade gera exatamente o oposto do que promete: desigualdade, cinismo e simulacros de contenção.
Enquanto persistir um teto que pune a transparência e recompensa a dissimulação, o país seguirá prisioneiro de sua própria retórica: formalmente austero, mas substancialmente hipócrita.