A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o beneficiário inimputável não perde o direito à indenização securitária quando o sinistro decorre de ato praticado em razão de doença mental. O entendimento foi firmado em julgamento que envolveu situação trágica: o filho, acometido por surto psicótico, causou a morte da própria mãe, segurada do contrato de seguro de vida.
O colegiado, sob voto condutor da ministra Nancy Andrighi, entendeu que a inimputabilidade afasta a intencionalidade exigida pelo artigo 768 do Código Civil, segundo o qual o segurado perde o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. “Quem age sem consciência ou discernimento não manifesta vontade juridicamente relevante”, afirmou a relatora ao sustentar que a doença mental impede o reconhecimento do dolo e, portanto, não se pode aplicar a exclusão da cobertura.
A ministra destacou ainda que, à época dos fatos, havia lacuna legislativa sobre a conduta do beneficiário inimputável — tema que só veio a ser disciplinado pela Lei nº 15.040/2024, ainda em vacatio legis. Diante desse vazio normativo, a Turma aplicou o princípio da vedação ao non liquet, que impede o Judiciário de se omitir por falta de lei, recorrendo à analogia e aos princípios gerais do Direito, conforme o artigo 4º da LINDB.
Para o STJ, o contrato de seguro não pode punir a doença nem confundir a tragédia com fraude. A inimputabilidade, explicou o acórdão, é um pressuposto anterior à verificação do dolo ou da culpa — razão pela qual o inimputável não pratica ato ilícito em sentido próprio, mas sim um ato-fato jurídico indenizável, nos termos do artigo 928 do Código Civil.
Ao final, prevaleceu a posição de que a exclusão prevista no art. 768 do Código Civil não alcança o beneficiário incapaz de compreender o caráter ilícito do ato. Assim, o seguro deve indenizar, preservando o princípio da boa-fé e o caráter social do contrato.
REsp 2174212 / PR
