A transferência do ministro Luiz Fux da Primeira para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, autorizada pelo presidente Edson Fachin com base no artigo 19 do Regimento Interno do STF, tem implicações que vão além da mera reorganização administrativa.
A movimentação, solicitada por Fux em ofício e autorizada por Fachin, revela uma lacuna normativa no regimento — que não trata expressamente do destino da relatoria em casos de mudança de turma — e, ao mesmo tempo, altera a dinâmica interna de poder no Tribunal.
Reconfiguração da Segunda Turma
Com a transferência, Fux passará a integrar o colegiado atualmente composto por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça e Kassio Nunes Marques. A entrada do ministro cria novo equilíbrio de forças, já que Fux tende a alinhar-se, em vários temas de direito penal e processual, à postura mais restritiva defendida por Mendonça e Nunes Marques — ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Essa reconfiguração pode enfraquecer a maioria formada historicamente por Gilmar e Toffoli, cujos votos frequentemente prevaleciam em casos de repercussão criminal e de controle de investigações. Na prática, uma composição Fux–Mendonça–Nunes Marques poderia inverter entendimentos sedimentados em matérias sensíveis, sobretudo nos julgamentos de habeas corpus e ações penais que envolvem autoridades com prerrogativa de foro.
Impacto sobre o Coaf e o combate à lavagem de dinheiro
A mudança também repercute em processos relativos ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Atualmente, a Segunda Turma, sob a relatoria de Gilmar Mendes, tem firmado entendimento de que relatórios de inteligência financeira não podem ser encaminhados às autoridades policiais sem autorização judicial — uma interpretação que limita a atuação de órgãos de controle.
Fux, por sua vez, tem posição consolidada em sentido oposto, reconhecendo a legitimidade do compartilhamento direto de informações entre o Coaf e o Ministério Público ou a Polícia Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial. Sua chegada ao colegiado, portanto, pode alterar o resultado de futuros julgamentos sobre o tema, reacendendo discussões que têm impacto direto sobre a política de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no país.
Primeira Turma perde um voto moderado
Na Primeira Turma, Fux deixará colegas de perfis distintos — Flávio Dino (presidente), Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. Sua saída tende a reforçar a maioria garantista no colegiado, hoje já inclinada a decisões de maior proteção a direitos fundamentais, especialmente sob a influência de Cármen e Zanin.
Com isso, a Primeira Turma passará a ter composição predominantemente voltada a casos de direitos fundamentais, liberdades públicas e controle de constitucionalidade de políticas sociais, enquanto a Segunda Turma se tornará, mais do que nunca, o núcleo dos julgamentos penais e de investigação de autoridades.
Lacuna regimental e ausência de critério sobre relatorias
O caso também evidencia a insuficiência do artigo 38 do Regimento Interno, que prevê substituição de relator apenas em caso de aposentadoria ou falecimento, sem tratar da mudança de turma. Na prática, o Supremo tem solucionado essas situações de forma casuística: o ministro que migra pode manter processos já sob sua relatoria, mesmo fora da turma de origem, ou ter parte deles redistribuída, conforme decisão da Presidência.
Essa falta de clareza alimenta insegurança quanto à validade de atos processuais praticados após a transferência e revela a necessidade de atualização regimental diante das complexas dinâmicas internas da Corte.
