Tribunal reafirma que falsidade ideológica e estelionato são crimes autônomos quando a fraude atinge o poder público.
A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas manteve a condenação de um acusado pelos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e estelionato contra a Administração Pública (art. 171, §3º, do CP), ao reconhecer que o uso de documento falsificado para firmar contrato com órgão público não se exaure no estelionato e configura delitos distintos e cumuláveis.
O julgamento destacou que o réu utilizou procuração falsificada em nome de entidade esportiva para celebrar contrato com a Prefeitura de Rio Preto da Eva, sem conhecimento da instituição, e recebeu valores indevidamente pela suposta prestação de cursos de treinamento. A defesa alegou ausência de provas e pediu o reconhecimento do princípio da consunção, sustentando que o crime de falsidade deveria ser absorvido pelo de estelionato.
A relatora, desembargadora Luiza Cristina Nascimento da Costa Marques, rejeitou a tese. Segundo o voto, o laudo grafotécnico comprovou a falsificação da assinatura na procuração e os depoimentos testemunhais demonstraram a atuação fraudulenta do condenado para obter vantagem ilícita. A magistrada ressaltou que a falsidade ideológica mantém potencialidade lesiva autônoma, apta a ser usada em novos delitos, o que impede sua absorção.
O colegiado também afastou a alegação de decadência da representação, apontando que o crime de falsidade ideológica é de ação penal pública incondicionada e que, no caso do estelionato, a exigência de representação é dispensada quando a vítima é a Administração Pública, conforme o art. 171, §5º, I, do Código Penal.
Com base nessas premissas, o TJAM reafirmou a distinção entre os dois delitos e manteve a condenação. “A falsificação de documentos com potencialidade lesiva autônoma não é absorvida pelo crime de estelionato”, fixou a Corte.
O entendimento segue precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do próprio TJAM, segundo os quais a fé pública e o patrimônio são bens jurídicos distintos, de modo que o uso de documento falso não se confunde com a obtenção de vantagem ilícita mediante engano.
Processo n. 0000915-51.2020.8.04.6601