TJAM decide que réu pode ser beneficiado pela dúvida sem ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri

TJAM decide que réu pode ser beneficiado pela dúvida sem ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri

Afastando o princípio de que a dúvida deve favorecer a sociedade, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) decidiu, por unanimidade, impronunciar réu acusado de tentativa de homicídio qualificado, sob a fundamentação de ausência de indícios suficientemente consistentes de autoria

A decisão foi proferida no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n.º 0206301-51.2024.8.04.0001, relatado pelo Desembargador Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro, e reformou sentença da 3.ª Vara do Tribunal do Júri da capital.

O acusado, A.B.A, havia sido pronunciado com base em denúncia que o imputava como autor de agressão cometida contra H.C.C, mediante uso de barra de ferro, enquanto a vítima dormia em via pública. A denúncia descrevia motivação fútil e uso de recurso que impossibilitou defesa da vítima, circunstâncias que embasaram a capitulação nos incisos II e IV do §2.º do art. 121 do Código Penal, combinado com o art. 14, II.

Durante o julgamento do recurso, no entanto, o relator destacou que o conjunto probatório é extremamente frágil: limitava-se às declarações da vítima — que, por vezes, alegou não lembrar dos fatos — e da irmã desta, que sequer presenciou a agressão. A defesa, patrocinada pela advogada Beatriz Souza de Carvalho (OAB/AM), sustentou que a autoria não estava suficientemente demonstrada e que a dúvida deveria beneficiar o réu.

In dubio pro reo e os limites da pronúncia
Ao acolher os argumentos da defesa, o Desembargador Ernesto Chíxaro fundamentou que a pronúncia exige a presença de indícios minimamente robustos da autoria, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. Para ele, “não se pode presumir a responsabilidade penal com base em depoimentos contraditórios e testemunhos indiretos”, frisando que a dúvida razoável deve operar em favor do acusado, conforme o princípio do in dubio pro reo.

Em voto amplamente fundamentado, o relator criticou a aplicação automática do princípio do in dubio pro societate, tradicionalmente invocado para sustentar a submissão de réus ao Tribunal do Júri mesmo diante de incertezas. “Não há base constitucional para o in dubio pro societate. A soberania do júri não pode justificar a negação da presunção de inocência”, registrou.

Jurisprudência e doutrina garantistas
O voto foi amparado em doutrinas de juristas como Renato Brasileiro de Lima e Aury Lopes Jr., além de precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Ambos sustentam que, mesmo na fase de admissibilidade da acusação, não se pode dispensar um mínimo de verossimilhança nos indícios apresentados. A pronúncia, nesse contexto, não pode ser usada como um atalho para a responsabilização processual de quem se encontra sob presunção de inocência.

“É necessário um conjunto de provas que autorize um juízo de probabilidade de autoria. Quando a dúvida é razoável, a solução juridicamente legítima é a impronúncia”, pontuou o relator, sendo acompanhado integralmente pelas Desembargadoras Vânia Maria Marques Marinho e Luiza Cristina Nascimento da Costa Marques.

Decisão reformada e tese reafirmada
A decisão reformou a sentença de primeiro grau e afastou a submissão do acusado ao júri popular, reconhecendo que, na ausência de elementos probatórios minimamente consistentes, impõe-se a prevalência do in dubio pro reo, inclusive para preservar a lógica do sistema bifásico do Tribunal do Júri.

A tese firmada no julgamento 

“A pronúncia exige prova plena da materialidade e indícios suficientes de autoria, não se admitindo dúvidas quanto à materialidade ou indícios frágeis de autoria. O princípio do in dubio pro reo deve prevalecer na fase de pronúncia quando não houver elementos probatórios suficientemente consistentes para justificar a submissão do acusado ao Tribunal do Júri.”

Autos n.º 0206301-51.2024..8.04.0001

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