A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a perda do cargo de membro do Ministério Público, em razão da suposta prática de crime, só é possível quando houver sentença penal condenatória transitada em julgado.
O colegiado entendeu que a extinção da punibilidade por prescrição não equivale à formação de culpa e, portanto, não autoriza a aplicação de sanção funcional.
O julgamento ocorreu no Recurso Especial nº 2.196.447/SP, de relatoria do ministro Sérgio Kukina, e foi concluído neste mês de outubro de 2025, com decisão unânime.
O caso
O Ministério Público do Estado de São Paulo havia ajuizado ação civil própria para requerer a perda do cargo de um promotor de Justiça, com base no artigo 38, §1º, I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) e no artigo 157, I, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 734/1993.
A acusação baseava-se em suposta prática do crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal). Ocorre que, em ação penal conexa, o próprio STJ, ao julgar o REsp 1.447.685/SP, havia reconhecido a prescrição da pretensão punitiva e declarado extinta a punibilidade do réu.
Mesmo sem condenação penal, o MP sustentou que a falta funcional seria incompatível com o exercício do cargo e insistiu na ação civil para perda da função pública.
A decisão
O ministro Sérgio Kukina, relator, destacou que o artigo 38, §1º, I, da LONMP exige expressamente a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado, como pressuposto indispensável para eventual perda do cargo de membro vitalício do Ministério Público.
“A perda do cargo, por membro vitalício, somente pode decorrer de sentença civil transitada em julgado após o reconhecimento, em sentença penal igualmente transitada em julgado, do cometimento de crime incompatível com o exercício da função”, afirmou o relator.
O colegiado ressaltou que a prescrição penal extingue a punibilidade, mas não gera juízo de culpa. Assim, sem condenação penal definitiva, não há fundamento jurídico para a imposição de pena funcional de perda do cargo.
Para o STJ, admitir o contrário violaria o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição), segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Vedação à ampliação da causa de pedir
Outro ponto destacado foi que a ação civil tinha como causa de pedir exclusiva o crime de prevaricação. Dessa forma, não seria possível reinterpretar os fatos para sustentar a existência de uma infração administrativa autônoma, sob pena de julgamento extra petita — ou seja, fora dos limites do pedido inicial.
Desfecho e repercussão
A Primeira Turma, acompanhando o voto do relator, negou provimento ao recurso especial e manteve a improcedência da ação civil. Votaram com o ministro Sérgio Kukina os ministros Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Paulo Sérgio Domingues e Benedito Gonçalves.
A decisão reforça a necessidade de dupla coisa julgada — penal e civil — para a perda do cargo de promotor vitalício e reafirma o núcleo essencial da presunção de inocência como limite à atuação sancionadora do Estado. Assim, a perda do cargo de membro vitalício do Ministério Público por crime funcional exige sentença penal condenatória transitada em julgado; o reconhecimento da prescrição penal impede a responsabilização civil autônoma.
REsp 2196447 / SP
NÚMEROS DE ORIGEM: 00751322020108260000