O ministro Luís Roberto Barroso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e prestes a se aposentar neste sábado (18), decidiu registrar seu voto na ADPF 442, ação que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O gesto, confirmado nesta sexta-feira (17), ocorre como um dos últimos atos de Barroso na Corte, e marca o retorno do caso ao plenário virtual do Supremo.
Voto simbólico e gesto de despedida
Barroso pediu ao ministro Edson Fachin, que assumiu a presidência do tribunal, a reabertura de sessão extraordinária virtual para permitir o registro de seu voto antes de deixar o cargo. Com isso, a ADPF 442 passa a contar com dois votos favoráveis à descriminalização do aborto — o de Barroso e o da ministra Rosa Weber, que também deixou a Corte após se aposentar, em setembro de 2023.
Assim como Rosa, o ministro escolheu encerrar sua trajetória no Supremo com um voto de caráter simbólico, em uma das discussões mais sensíveis e duradouras do tribunal.
O movimento surpreendeu colegas da Corte, já que Barroso manteve indefinido até os últimos dias se se manifestaria no caso.
“Trata-se de um tema de direitos fundamentais e de saúde pública, que deve ser enfrentado com racionalidade, compaixão e compromisso constitucional”, teria dito o ministro a interlocutores próximos.
Retorno ao plenário virtual
Em setembro de 2023, a então presidente Rosa Weber havia incluído a ação do PSOL no plenário virtual, votando pela descriminalização e sustentando que os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto violam os direitos reprodutivos e a autonomia das mulheres.
Pouco depois, Barroso pediu destaque, o que retirou o caso do ambiente virtual e o levou ao plenário físico — onde, no entanto, não chegou a ser pautado. Agora, com o cancelamento do destaque, o processo volta a tramitar virtualmente, permitindo que Barroso formalize sua posição antes de se aposentar.
Histórico de defesa do tema
A decisão tem forte carga simbólica: antes de ingressar no Supremo, Barroso atuou como advogado no processo que resultou na descriminalização do aborto em casos de anencefalia fetal, em 2012. Desde então, consolidou posição firme em favor da autonomia das mulheres e da proteção da saúde pública, defendendo que a criminalização do aborto não reduz a prática, mas aprofunda a desigualdade social.
Durante sua gestão como presidente do STF, porém, Barroso evitou pautar a ADPF 442, alegando que o país ainda não estava socialmente pronto para enfrentar o tema e que a Corte deveria aguardar maior amadurecimento do debate público. Nos bastidores, ministros apontam que o presidente temia um placar desfavorável à descriminalização e preferiu aguardar um cenário de maior consenso institucional.
Ação e contexto
A ADPF 442, proposta pelo PSOL em 2017, questiona os artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez. O partido argumenta que as normas violam direitos constitucionais como a dignidade humana, a liberdade individual, a igualdade de gênero e o direito à saúde.
O julgamento da ação foi impulsionado por precedente da Primeira Turma do STF, de 2016, quando os ministros Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin entenderam que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não configurava crime. A decisão, embora restrita a um caso específico, serviu de base jurídica e política para a formulação da ADPF 442.
O que muda com o voto
Com o voto de Barroso, a Corte soma dois votos pela descriminalização e nenhum contrário. A decisão não tem efeito imediato, já que o processo ainda depende da manifestação dos demais ministros, mas reabre o debate interno sobre um dos temas mais polarizadores da agenda constitucional brasileira.
A tendência é que o novo ministro — possivelmente o atual advogado-geral da União, Jorge Messias — assuma a relatoria ou participe da votação no futuro. Até lá, o julgamento permanece em andamento no plenário virtual, e pode ser retomado a qualquer momento pelo novo presidente, Edson Fachin.