O procurador nacional da União de assuntos internacionais, Boni Soares, defendeu a criação de novas diretrizes para enfrentar a violência doméstica e a subtração de crianças, com foco no suporte e assistência às vítimas. A proposta de novas medidas indicadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) foram citadas pelo procurador em discurso realizado nesta quinta-feira (30/10), no encerramento do II Fórum Global sobre Violência Doméstica e Subtração Internacional de Crianças, que reuniu especialistas e lideranças mundiais para analisar o Artigo 13(1)(b) da Convenção de Haia.
“Os debates que nós realizamos revelam que a interseção entre a violência doméstica e a subtração internacional de crianças vai muito além da aplicação do Artigo 13 (1)(b) da Convenção de Haia, que era o elemento central do debate, mas não o único. Isso inclui também medidas de prevenção à violência doméstica, de assistência e de suporte às vítimas, antes que elas pratiquem a subtração internacional da criança, fugindo do ambiente de violência”, pontuou Soares durante o fórum que ocorreu em Fortaleza (CE).
Na oportunidade, o procurador também explicou que a necessidade das novas diretrizes envolve um debate sobre o instituto da realocação familiar, ação que pode ser promissora na solução de longo prazo dos casos. “A interseção entre os dois temas, violência doméstica e subtração internacional, é muito maior do que o debate sobre um artigo específico do tratado”, disse Soares.
Os debates durante o encontro deram continuidade à discussão do tema, iniciada na primeira edição do fórum, em 2024, na África do Sul. Além do artigo 13(1)(b) da Convenção da Haia de 1980, que permite negar o retorno de uma criança ao país de origem quando houver risco grave de exposição à violência física, psicológica ou a uma situação intolerável, a programação abordou o impacto da violência doméstica sobre crianças e suas cuidadoras, estratégias de prevenção à subtração internacional em contextos de violência, avaliação de risco grave, medidas protetivas e os efeitos das decisões de retorno ou não retorno.
Interpretação humanizada
Com base no artigo 13(1)(b), a AGU defendeu, no evento, uma interpretação mais humanizada da Convenção de Haia, reconhecendo que a violência doméstica contra o genitor responsável — geralmente a mãe — também configura risco à criança. A instituição propõe que as decisões judiciais considerem o contexto de vulnerabilidade familiar e os direitos humanos das vítimas.
No Brasil, a AGU possui um papel central na aplicação da Convenção da Haia de 1980. A atuação da Instituição nos temas discutidos foi destaque em painel, apresentada pelo advogado da União Vitor Veloso Barros.
Outro ponto relevante apresentado pela AGU foi o Guia de Boas Práticas sobre o Artigo 13(1)(b), de 2020. No painel do tema, Boni Soares apontou a importância de uma atualização, com base na experiencia brasileira e de outros países, apresentadas durante o fórum, destacando que a violência contra a mãe causa danos psicológicos à criança, mesmo que ela não seja vítima direta. Citando precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador defendeu que a interpretação da norma deve buscar equilíbrio entre a proteção da criança e a eficiência dos procedimentos, e sugeriu que o guia seja revisado para se alinhar à letra da Convenção e ao direito internacional.
O advogado-geral da União substituto e secretário-geral de Consultoria da AGU, Flávio Roman, esteve presente na mesa de abertura, no dia 27/10, e reforçou a posição do Governo Federal brasileiro de que a violência doméstica contra a mãe deve ser tratada como uma das exceções que permitem o não retorno da criança a outro país, nos termos da Convenção da Haia.
“Este encontro serve não apenas como palco para o intercâmbio de experiências jurídicas e institucionais, mas também como símbolo de nosso compromisso comum com a proteção internacional da infância. E não só isso, é também símbolo do enfrentamento de uma das questões mais dramáticas de nosso tempo: a violência doméstica”, disse Roman.
Também participou da programação a procuradora-geral da União, Clarice Calixto, que abriu o primeiro painel de boas-vindas, defendendo que atingir o objetivo de proteção à criança envolve mais do que formalismo jurídico. Para ela, o fato de o evento ocorrer no Brasil foi simbólico, pois o País, há algum tempo, “já se coloca como uma das vozes internacionais mais potentes na defesa dos direitos das mulheres, na defesa do direito de resistência de uma mulher vítima de violência doméstica […] e a AGU tem sido precursora de diversas iniciativas relacionadas à afirmação de direitos e iniciativas preocupadas com a questão de gênero”, pontuou.
Ainda acerca do tema, Boni defendeu que “a violência doméstica é um problema real e objeto de uma política pública prioritária no Brasil, que envolve os três Poderes, em todos os níveis federativos. Foi com essa visão que o ministro Jorge Messias nos incumbiu de realizar esse fórum, como uma forma de demonstração do compromisso que a AGU tem com essa matéria e com a responsabilidade que nós assumimos para um futuro que aponte as soluções desses casos de maneira mais centrada, mais justa e mais humana”.
O encontro aconteceu entre os dias 27 e 30 de outubro, em Fortaleza (CE), e reuniu representantes de diversos países, reforçando a urgência de respostas conjuntas para situações em que a violência doméstica e as disputas internacionais de guarda se entrelaçam. O evento foi organizado pela AGU e pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (HCCH), com apoio dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e das Relações Exteriores (MRE), além do Governo do Estado do Ceará.
Atuação da AGU
Nos últimos anos, a AGU tem ampliado sua atuação no combate à violência contra a mulher e na proteção de crianças. Em 8 de março de 2023, a instituição lançou um modelo de edital de contratação pública que exige que empresas prestadoras de serviço à União reservem 8% das vagas a mulheres vítimas de violência doméstica. No ano seguinte, a medida foi incorporada ao protocolo interno da própria AGU.
Em 2025, a AGU ajuizou ação civil pública contra o portal Brasil Paralelo pela divulgação de vídeo com conteúdo desinformativo sobre o caso Maria da Penha, solicitando indenização de R$ 500 mil e a publicação de material educativo.
Com base em pareceres técnicos elaborados pela AGU, a Presidência da República também enviou ao STF, em 2024, um conjunto de informações manifestando posição favorável ao reconhecimento da violência doméstica como fator de impedimento para o retorno de crianças trazidas ao Brasil sem autorização do outro genitor, consolidando o alinhamento institucional em defesa da proteção familiar e dos direitos humanos.
A AGU também encaminhou ao STF informações defendendo que a violência doméstica comprovada pode ser considerada fator impeditivo da repatriação de crianças, reforçando o entendimento de que o retorno não deve ser determinado quando houver risco à integridade física ou emocional da vítima.
Este ano, a instituição lançou o programa “PGU Delas”, com o objetivo de fortalecer a representatividade feminina no órgão e incorporar a perspectiva de gênero na atuação judicial da União. A iniciativa busca reduzir desigualdades e eliminar estereótipos, promovendo ações voltadas ao empoderamento de mulheres, à construção de um ambiente de trabalho inclusivo e à defesa dos direitos das mulheres em processos judiciais.
O programa tem dois eixos principais: a gestão administrativa, que prioriza o desenvolvimento profissional e a liderança feminina, e a gestão judicial, que determina acompanhamento estratégico e tratamento prioritário a casos que envolvam discriminação, violência ou vulnerabilidade de gênero.
Com informações da AGU

