Uma gravação de pós-venda, não contestada pelo consumidor, foi suficiente para a Justiça do Amazonas afastar a alegação de propaganda enganosa e reconhecer a validade de um contrato de consórcio firmado por idoso que dizia ter sido induzido a erro.
A sentença, proferida pela juíza Lídia de Abreu Carvalho, da 4ª Vara Cível de Manaus, concluiu que, embora não comprovado o vício de consentimento, o autor expressou vontade de se desligar do grupo, fazendo jus à restituição das parcelas pagas conforme o rito previsto na Lei dos Consórcios.
Promessa de contemplação imediata
O caso envolveu consumidor que ingressou com ação contra a Kasinski Administradora de Consórcios Ltda. (antiga CNK) e Câmara Representações, alegando ter sido induzido a aderir a um grupo de consórcio mediante promessa de rápida contemplação da carta de crédito, divulgada em anúncio no Marketplace do Facebook.
Segundo o autor, a proposta envolvia pagamento de “entrada” e promessa verbal de contemplação antecipada por “lance embutido”. Após seis meses sem retorno e sem o crédito liberado, o consumidor pediu a rescisão contratual, a devolução das parcelas e indenização por danos morais, alegando ter sido vítima de publicidade enganosa.
Defesa e transcrição da ligação
A administradora de consórcios negou a irregularidade e sustentou que o consumidor foi regularmente informado sobre as regras do grupo. Em sua contestação, apresentou trechos transcritos de uma ligação de pós-venda, em que o cliente confirma ter ciência de que não havia garantia de contemplação imediata, afirmando expressamente que nenhum prazo lhe foi prometido para liberação do crédito.
A gravação — segundo a juíza — não foi objeto de impugnação específica pelo autor, o que, combinado às cláusulas contratuais assinadas, conferiu robustez à tese defensiva. “Embora o áudio não tenha sido periciado nos autos, a transcrição detalhada na contestação, aliada às cláusulas contratuais assinadas, que o autor não impugnou especificamente em réplica, confere robustez à tese defensiva”, registrou a magistrada.
Com base nisso, o juízo considerou que o consumidor confirmou, por ato próprio, a ausência de promessa de contemplação antecipada, validando o contrato e afastando o alegado vício de consentimento. A conduta foi enquadrada como contraditória e violadora da boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil.
Rescisão por desistência e restituição das parcelas
Embora o consumidor tenha apontado a existência de ato ilícito, os autos demonstraram que a contratação ocorreu de forma regular, com ciência inequívoca das condições contratuais. Ainda assim, a magistrada entendeu que houve manifestação expressa de desinteresse em permanecer no grupo, aplicando o regime jurídico da desistência do consorciado.
Com base na Lei 11.795/2008 e na jurisprudência consolidada do STJ (REsp 1.119.300/RS), a juíza determinou que a administradora devolva os valores pagos ao fundo comum, após a contemplação da cota ou até 30 dias após o encerramento do grupo, com correção monetária pelo INPC e dedução da taxa de administração e da multa contratual
Dano moral afastado
O pedido de indenização foi julgado improcedente. Para a magistrada, não houve ato ilícito, mas simples frustração decorrente da desistência de um contrato válido — situação que não extrapola o campo do mero aborrecimento. “A situação vivenciada pelo autor, embora frustrante, decorre de sua própria desistência de um contrato validamente celebrado, não ultrapassando a esfera do mero dissabor cotidiano”, afirmou.
Processo n. 0694892-26.2021.8.04.0001
