Grupo “Teko Porã – Vida Digna” colheu depoimentos em Manicoré e aponta prejuízos econômicos, ambientais e psicológicos após destruição de balsas pela Polícia Federal.
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) iniciou, nesta semana, uma série de diligências nas comunidades ribeirinhas de Manicoré, no sul do Estado, para apurar os impactos sociais, econômicos e ambientais das operações da Polícia Federal (PF) que resultaram na destruição de balsas utilizadas na extração de ouro no rio Madeira.
A investigação é conduzida pelo Grupo de Trabalho “Teko Porã – Vida Digna”, coordenado pelos defensores públicos Ricardo Paiva e Theo Costa, e tem como objetivo reunir provas e depoimentos que subsidiarão ações judiciais e recomendações administrativas voltadas à reparação de danos causados às populações atingidas.
Segundo a Defensoria, as operações recentes — entre elas a Operação Boiúna, realizada entre os dias 10 e 22 de setembro — foram marcadas pelo uso de artefatos explosivos e armamento de grosso calibre, o que teria provocado não apenas a destruição das balsas, mas também prejuízos diretos à subsistência, à moradia e à integridade psicológica de famílias ribeirinhas e comunidades escolares.
As balsas, explica o órgão, são frequentemente utilizadas como moradia e abrigo durante as cheias, funcionando como extensão das casas em áreas de várzea, e sua destruição tem levado muitas famílias à perda total de bens e fontes de renda.
O levantamento conduzido pela DPE-AM também registrou reflexos das ações no ambiente escolar, com relatos de crianças em pânico, suspensão de aulas e queda no desempenho de alunos após as operações. De acordo com os defensores, há indícios de uso desproporcional da força estatal, com efeitos sobre o direito à educação, ao meio ambiente equilibrado e à moradia digna.
Em nota técnica preliminar, o grupo destacou que as explosões das balsas provocam contaminação das águas por óleo diesel e mortandade de peixes e tartarugas, além de comprometer a segurança de comunidades inteiras que vivem nas margens do Madeira. A DPE-AM estima que, apenas nas operações dos últimos anos, mais de 1.500 artefatos explosivos tenham sido lançados em ações de repressão ao garimpo, com o aval da União.
O defensor Theo Costa afirmou que os relatos colhidos em Manicoré repetem o padrão já observado em Humaitá, revelando uma “lógica de guerra em áreas habitadas por populações vulneráveis”. “O que buscamos é que haja algum tipo de controle nessas operações, que muitas vezes tratam ribeirinhos como verdadeiros bandidos”, disse.
Já o defensor Ricardo Paiva antecipou que a DPE-AM elaborará um plano de atuação para pedir reparação integral dos danos e solicitar medidas de compensação, como fornecimento de equipamentos de apoio às comunidades afetadas. Antes das diligências em campo, a Defensoria havia protocolado ações no STJ e no TRF-1 pedindo a suspensão do uso de explosivos nas operações, mas os pedidos foram indeferidos.
A instituição também recomendou ao Senado Federal a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis abusos de autoridade e excessos na condução das ações repressivas. O prefeito de Manicoré, Lúcio Flávio, acompanhou parte da agenda e elogiou a iniciativa: “A Defensoria teve coragem de vir às comunidades e ouvir o que realmente aconteceu. A população sofreu muito e precisa ser reparada.”
O Grupo Teko Porã
Criado pela DPE-AM, o Grupo de Trabalho “Teko Porã – Vida Digna” atua em temas relacionados a direitos humanos, povos tradicionais e populações ribeirinhas. “Teko Porã”, expressão tupi-guarani que significa “belo caminho” ou “bem viver”, sintetiza a filosofia de defesa de modos de vida sustentáveis e dignos na Amazônia.
Desde julho, o grupo acompanha a situação no rio Madeira e documenta os efeitos colaterais das operações de combate ao garimpo, com foco na proteção jurídica das famílias em extrema vulnerabilidade.