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Projeto que impõe limite à dívida da União acende alerta e amplia tensão entre os Poderes

A tramitação de um projeto de resolução do Senado Federal que impõe limite ao endividamento da União acendeu alerta na equipe econômica e no Banco Central. A proposta, de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e relatada por Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), busca regulamentar dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que prevê a fixação de tetos para a dívida pública — mas sem iniciativa do Presidente da República, como exige o artigo 30 da própria LRF, o que levanta dúvida sobre sua validade formal e constitucional.

O texto estabelece que a dívida bruta do governo geral (DBGG) não poderá ultrapassar 80% do PIB, com ajustes para descontar obrigações de estados e municípios e as operações compromissadas do Banco Central. A medida, segundo o relator, pretende conter o avanço das despesas e “disciplinar” o endividamento federal. Para o Tesouro Nacional, porém, o impacto seria devastador: caso o limite fosse atingido, a União ficaria impedida de emitir novos títulos, o que travaria o pagamento de benefícios previdenciários, salários e outras despesas obrigatórias.

“Imediatamente teríamos que fazer um ajuste primário adicional de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões num único exercício, algo de difícil execução”, alertou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron. O secretário especial da Casa Civil, Bruno Moretti, foi além: ao proibir novas emissões de dívida, o projeto poderia levar ao não pagamento de obrigações constitucionais, o que abriria discussão sobre sua própria constitucionalidade. O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, também manifestou preocupação, afirmando que a redação original interferia na gestão da política monetária e “mudaria o regime operacional” do BC — trecho que foi posteriormente ajustado pelo relator.

Apesar das alterações, o governo vê na proposta um risco político e institucional. O temor é que, a exemplo do que ocorreu com a “regra de ouro” entre 2019 e 2021, o Congresso passe a usar a autorização para endividamento como instrumento de barganha, condicionando a liberação de recursos ao atendimento de interesses parlamentares. Técnicos do Tesouro classificam o cenário como “mil vezes pior que as emendas”, já que transferiria ao Legislativo o poder de travar ou liberar o financiamento das políticas públicas federais.

Na avaliação de economistas e juristas, a iniciativa representa uma inversão do desenho original da LRF. O artigo 30 determina que os limites sejam fixados pelo Senado, mas por proposta do Presidente da República, de modo a preservar o equilíbrio entre proposição técnica e deliberação política. “Ao avançar sem proposta do Executivo, o Senado ultrapassa o campo da fiscalização e ingressa na seara da execução fiscal, o que viola o princípio da separação de Poderes”, resumiu um técnico ouvido pela reportagem.

O projeto, que tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), teve a votação adiada após apelo do governo. O presidente da comissão, Renan Calheiros, concordou em promover audiências públicas. Na primeira delas, realizada na última semana, representantes da equipe econômica reiteraram que limitar o endividamento não é política de controle, mas de paralisia, e que a sustentabilidade da dívida depende de medidas estruturais sobre a despesa obrigatória, não de um teto aritmético.

A discussão ocorre num momento em que o Congresso acumula poder sobre o Orçamento Federal. As emendas parlamentares impositivas já somam mais de R$ 50 bilhões anuais, e a fixação de um teto para a dívida poderia ampliar esse controle sobre o fluxo financeiro da União, deslocando o eixo de decisão fiscal do Executivo para o Legislativo.